E
então, por que sou continuísta? Seguem minhas razões (por favor note
que escrevi diversos artigos que fornecem ampla evidência para os pontos
que defendo, mas a limitação de espaço me permite apenas citá-los
nominalmente. Todos podem ser encontrados no meu site.
Deixe-me começar com a presença sólida,
certamente difundida e inteiramente positiva de todos os dons
espirituais por todo o Novo Testamento (NT). Os problemas que surgiram
na igreja de Corinto não se deram por conta dos dons espirituais, mas
por pessoas imaturas. As advertências de Paulo não se referiam aos dons
de Deus mas, sim, à distorção infantil, ambiciosa e orgulhosa da parte
de alguns.
Além do mais, começando com o Pentecoste
e percorrendo todo o livro de Atos, vemos que toda vez que o Espírito
era derramado sobre os novos convertidos, eles experimentavam do seu
carisma. Não há nada que indique que esses fenômenos eram restritos a
eles e à época. Tais manifestações parecem ser tanto difundidas quanto
comuns na igreja do NT. Os cristãos em Roma (Rm 12), Corinto (1 Co
12-14), Samaria (At 8), Cesareia (At 10), Antioquia (At 13), Éfeso (At
19), Tessalônica (1 Ts 5) e Galácia (Gl 3) experimentaram dos dons de
milagres e revelação. É difícil imaginar como os autores do NT poderiam
ter falado mais claramente sobre como deveria ser o Cristianismo da Nova
Aliança. Em outras palavras, o fardo de provar o contrário está com o
cessacionista. Se certos dons de uma classe especial cessaram, a
responsabilidade de prová-lo depende dele ou dela.
Evidência extensa
Gostaria de apontar também a extensa
evidência neotestamentária dos chamados dons milagrosos entre cristãos
que não são apóstolos. Ou seja, vários homens e mulheres que não eram
apóstolos, jovens e anciãos, em toda a extensão do império romano
exerciam de maneira consistente esses dons do Espírito (e Estevão e
Felipe ministravam no poder de sinais e maravilhas). Aqueles que
exerciam os dons miraculosos mas não eram apóstolos são (1) os 70 que
foram comissionados em Lucas 10.9, 19-20; (2) pelo menos 108 pessoas
dentre os 120 que estavam reunidos no salão superior no dia de
Pentecostes, (3) Estevão (At 6,7); (4) Felipe (At 8); (5) Ananias (At
9); (6) membros da igreja de Antioquia (At 13); (7) convertidos anônimos
em Éfeso (At 19.6); (8) mulheres em Cesareia (At 21.8,9); (9) os irmãos
sem nome de Gálatas 3.5; (10) crentes em Roma (Rm 12.6-8); (11) crentes
em Corinto (1 Co 12-14); e (12) cristãos em Tessalônica (1 Ts 5.19,20).
Também temos que dar espaço para o
objetivo explícito e frequentemente repetido do propósito dos carismas:
nomeadamente, a edificação do corpo de Cristo (1 Co 12.7; 14.3; 26).
Nada do que leio no NT ou do que vejo na condição da igreja em qualquer
era, passada ou presente, me leva a crer que progredimos além da
necessidade pela edificação – e consequentemente além da necessidade
pela contribuição dos carismas. Eu confesso livremente que os dons
espirituais foram essenciais para o nascimento da igreja, mas por que
eles seriam menos importantes ou necessários para o crescimento e
amadurecimento contínuos?
Há também a continuidade fundamental ou o
relacionamento espiritual orgânico entre a igreja de Atos e a igreja
dos séculos subsequentes. Ninguém nega que houve uma era ou período no
começo da igreja que chamemos de “apostólica”. Temos que reconhecer o
significado da presença pessoal e física dos apóstolos e o seu papel
único na formação da fundação da igreja nos primeiros séculos. Mas não
há no NT qualquer coisa que sugira que certos dons espirituais eram
exclusiva e unicamente ligados a eles ou que os dons se encerraram com a
partida deles. A igreja universal ou corpo de Cristo que foi
estabelecida por meio do ministério dos apóstolos é a mesma igreja
universal e corpo de Cristo hoje. Estamos juntos com Paulo, Pedro,
Silas, Lídia, Priscila e Lucas, membros do mesmo corpo de Cristo.
Bem ligado ao ponto anterior é o que
Pedro diz em Atos 2, referente aos ditos dons miraculosos como
característicos da era pactual da igreja. Como já disse D. A. Carson: “A
vinda do Espírito não está associada meramente com o nascimento da nova
era, mas com a sua presença, não meramente com o Pentecoste, mas com
todo o período do Pentecoste até o retorno de Jesus, o Messias” (em A
Manifestação do Espírito, Ed. Vida Nova). Novamente, os dons de profecia
e línguas (At 2) não são retratados como mera inauguração da nova era
pactual, mas para caracterizá-la (não esqueçamos de que a era atual da
igreja equivale aos “últimos dias”).
Devemos também notar 1 Coríntios
13.8-12. Nesse texto Paulo certifica que os dons espirituais não
“passarão” (ver v.8-10) até a vinda do “perfeito”. Se o “perfeito” é
realmente a consumação do propósito redentivo de Deus tal qual
expressado pelo novo céu e nova terra seguindo a volta de Cristo,
podemos confiantemente esperar que Ele continue a abençoar e capacitar a
sua igreja com dons até aquela hora.
Um ponto semelhante aparece em Efésios
4.11-14. Aqui, Paulo fala de dons espirituais (junto com o ofício de
apóstolo) – e particularmente dos dons de profecia, evangelismo,
pastoreio e ensino – como construção da igreja “até que todos alcancemos
a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à
maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo” (V. 13, NVI –
grifos meus). Já que a plenitude de Cristo certamente ainda não foi
atingida pela igreja, podemos antecipar com confiança a presença e o
poder de tais dons até que aquele dia chegue.
Gostaria de também apontar a ausência de
uma noção explícita ou implícita de que devemos enxergar os dons
espirituais de maneira diferente que outras práticas e ministérios
neotestamentários retratados como essenciais à vida e ao bem estar da
igreja. Quando lemos o NT, parece evidente que a disciplina na igreja
deve ser praticada em nossas assembleias atuais, devemos celebrar a mesa
do Senhor e o batismo com água e que os requerimentos para o exercício
do ancião como descrito nas epístolas pastorais ainda determinam como a
vida na igreja deve ser levada, citando apenas alguns. Quais boas razões
exegéticas ou teológicas podem ser dadas para explicar por que devemos
tratar a presença e operação dos dons espirituais de maneira diferente?
Testemunho consistente
Ao contrário do que muitos pensam, há um
testemunho consistente ao longo de grande parte da história da Igreja
referente à operação dos dons miraculosos do Espírito. Simplesmente não é
verdade que os dons cessaram ou desapareceram da vida no começo da
Igreja após a morte do último apóstolo. O espaço não permite citar a
evidência maciça concernente, então me referirei a quatro artigos que
escrevi com uma documentação extensa (ver Spiritual Gifts in Church History).
Cessacionistas frequentemente argumentam
que sinais e maravilhas, assim como certos dons, serviram somente para
confirmar e autenticar o grupo original de apóstolos e que quando esses
morreram, também cessaram os dons. A verdade é que nenhum texto bíblico
(nem mesmo Hb 2.4 ou 2 Co 12.12, dois textos que explico em artigos no www.samstorms.com)
chega a dizer que sinais e maravilhas ou certos dons espirituais
serviram para autenticar os apóstolos. Sinais e maravilhas autenticaram
Jesus e a mensagem apostólica referente a ele. Se sinais e maravilhas
foram designados exclusivamente para autenticar os apóstolos, não temos
como explicar porque pessoas que não eram apóstolos (como Felipe e
Estevão) foram capacitados a exercê-los (ver especialmente 1 Co 12.8-10,
onde o “dom” de “milagres”, entre outros, foi dado a crentes medianos,
que não eram apóstolos).
Portanto, essa é uma boa razão para ser
cessacionista apenas se você puder demonstrar que a autenticação ou
testificação da mensagem apostólica era o propósito único e exclusivo de
tais demonstrações de poder divino. Todavia, em nenhum lugar do NT o
propósito ou função dos milagres ou carismas é reduzido à testificação. O
agir miraculoso, em qualquer forma que seja, servia a outros propósitos
distintos: doxológico (para glorificar a Deus: Jo 2.11, 9.3, 11.4,
11.40 e Mt 15.29-31); evangelístico (para preparar o caminho para que o
Evangelho fosse conhecido: ver At 9.32-43); pastoral (como expressão de
compaixão e amor e cuidado com as ovelhas: Mt 14.14; Mc 1.40,41); e
edificação (para levantar e fortalecer os crentes: 1 Co 12.7 e o “bem
comum”; 1 Co 14.3-5, 26).
Todos os dons do Espírito, seja línguas
ou ensino, profecia ou misericórdia, cura ou auxílio, foram dados
(dentre outras razões) para a edificação, fortalecimento, encorajamento,
instrução, consolo e santificação do corpo de Cristo. Então, mesmo que o
ministério dos dons miraculosos para atestar e autenticar tenha
cessado, um ponto que concedo apenas para efeitos de argumentação, tais
dons teriam que continuar a funcionar na igreja pelas outras razões
citadas.
Ainda final e suficiente
Talvez a objeção mais comum dos
cessacionistas seja que reconhecer a validade dos dons de revelação,
como profecia e palavra de conhecimento, necessariamente compromete a
finalidade e suficiência das Escrituras Sagradas. Mas esse argumento é
baseado na falsa suposição de que esses dons nos dão verdades infalíveis
com igual autoridade à do próprio texto bíblico (veja o meu artigo “Why NT Prophecy Does NOT Result in ‘Scripture-Quality’ Revelatory Words“).
Também é mencionado o apelo
cessacionista a Efésios 2.20, como se esse texto descrevesse todo o
possível ministério profético. O argumento diz que os dons de revelação
como profecia foram unicamente ligados aos apóstolos e portanto
designados para funcionar apenas durante o dito período de fundação da
igreja nos primeiros séculos. Abordo esta visão fundamentalmente errônea
em detalhe aqui.
Um exame cuidadoso das evidências bíblicas referentes tanto à natureza
do dom de profecia quanto à sua extensa presença entre cristãos indica
que este dom servia a outros propósitos muito além da fundação da
igreja. Portanto, nem a morte dos apóstolos, nem o desenvolvimento da
igreja além dos seus primeiros séculos têm importância sobre a validade
de profecias para hoje. Também é citado com frequência o argumento do
agrupamento, por assim dizer, que diz que os fenômenos miraculosos e
sobrenaturais foram supostamente concentrados ou agrupados em períodos
específicos na história redentora. Já abordei este argumento num outro artigo e mostrei que é falso.
Finalmente, apesar de tecnicamente não
ser uma razão ou argumento para ser um continuísta, não posso ignorar a
experiência. O fato de que eu já vi todos os dons espirituais sendo
operados, de ter testado e confirmado e os experimentado em primeira mão
em inúmeras ocasiões. Como afirmei, esta não é tanto uma razão para se
tornar um continuísta, e mais uma confirmação (apesar de não ser
infalível) da validade dessa decisão. A experiência, isolada do texto
bíblico, prova muito pouco. Mas a experiência deve ser considerada,
especialmente se esta ilustra ou incorpora aquilo que vemos na palavra
de Deus.
Nota – Abertos para Reforma: texto traduzido com autorização de
The Gospel Coalition, publicado originalmente no dia 23 de janeiro de
2014 aqui.
Leia o argumento cessacionista aqui.
Anselmo Melo
Anselmo Melo,
Carioca, casado e pai de três filhos (herança do Senhor). Pastor Evangélico e empresário. Moro atualmente no Estado de São Paulo onde pastoreio a Igreja de Nova Vida em Limeira. Sou fundador e presidente da Associação Projeto Resgate Vida.
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Esse artigo foi republicado com a permissão de Pastor Anselmo Melo