O vento é um mistério. Jesus disse a Nicodemos que
“o vento sopra onde quer, e ouve-se o barulho que ele faz, mas não se
sabe de onde ele vem, nem para onde vai” (Jo 3.8). Pode ser o vento que
quase fez naufragar o navio que pretendia levar Jonas para Társis (Jn
1.4); ou o que passa e limpa o céu, deixando o sol brilhar de novo (Jó
37.21). Precisamos aprender a lidar com o vento — o vento contrário e o
vento favorável. A ventania testa a profundidade de nossa salvação e de
nossa fé. Quando o vento sopra com força, a casa construída sobre a
areia desaba e a casa construída sobre a rocha permanece (Mt 7.24-27).
Meias-voltas para trás e para frente
Na
experiência de cada cristão há situações confortáveis (quando o vento
contrário não sopra) e situações desconfortáveis (quando o vento
contrário sopra). Tem sido assim no tempo (em qualquer época) e no
espaço (em qualquer lugar). Longos ou breves períodos de plenitude
espiritual são intercalados por longos ou breves períodos de
esvaziamento espiritual; longos ou breves períodos de euforia são
intercalados por longos ou breves períodos de desalento. O Eclesiastes
trata deste fenômeno: há tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de
derrubar e tempo de construir, tempo de ficar triste e tempo de se
alegrar, tempo de chorar e tempo de dançar, tempo de rasgar e tempo de
remendar, tempo de guerra e tempo de paz (Ec 3.1-8). Não há uma linha
reta e contínua entre o nascimento e a morte. Antes, nessa caminhada há
curvas para a direita e para a esquerda, depois das quais volta-se à
linha reta e contínua. Além das curvas, há meias-voltas escandalosas
para trás e meias-voltas gloriosas para frente. Porém, o verdadeiro
cristão não é encostado, mas alcança o alvo, chega ao final da reta.
Nunca sem problemas.
Da situação desconfortável para a situação confortável ou o contrário
Nem
sempre há explicações para a mudança progressiva ou abrupta da situação
confortável para a desconfortável e vice-versa. Pode ser uma simples
provação. Pode ser a consequência natural de um lapso, de uma
imprudência, de uma leviandade, de um descuido moral. Pode ser uma saída
da presença de Deus e um período de relaxamento devocional (não ouvimos
a voz de Deus porque não estamos lendo as Escrituras, nem Deus ouve a
nossa voz porque não estamos orando). Pode ser uma briga com Deus, uma
crise de fé, uma investida de soberba. Pode ser por causa de um
escândalo provocado pelo guia espiritual ou por qualquer um de nós. Pode
ser por outras razões conhecidas de imediato ou só mais tarde
identificadas.
Entretanto, é muito menos complexo
explicar a mudança progressiva ou súbita da situação desconfortável para
a confortável. É assim por causa de muitos exemplos que a Bíblia cita: a
experiência de Davi depois da visita de Natã, a experiência de Asafe
depois de ter entrado no templo, a experiência do “filho pródigo” depois
de ter caído em si, a experiência da mulher pecadora depois de ter sido
perdoada, a experiência de Pedro depois de ter chorado amargamente, a
experiência do irmão de Corinto acusado de abuso sexual, depois de ter
sido disciplinado, a experiência de qualquer cristão depois de buscar o
Senhor até achar. Todavia, em última análise, é a graça soberana de Deus
que muda surpreendentemente o rumo da vida daquele que está em crise,
arrancando-o dela.
Às vezes pulamos de alegria, outras vezes encostamos o rosto no chão
Formamos
uma irmandade de peregrinos subindo as montanhas que levam à Jerusalém
celestial. Às vezes cantamos, às vezes choramos; às vezes pulamos de
alegria, às vezes encostamos o rosto no chão.
Por
sermos tão humanos quanto Elias, temos momentos de estranha confusão,
momentos dolorosos de depressão, momentos perigosos de dúvida, momentos
terríveis de desânimo, momentos desagradáveis de incerteza e até
momentos assustadores de revolta (contra todos e contra tudo).
Somos
inteiramente humanos não somente como os personagens bíblicos, como
Elias, Jeremias, Baruque e Asafe, mas também como os personagens da
história do cristianismo e como os cristãos de hoje. Na caminhada deles
havia tantos obstáculos como na nossa. Agostinho, por exemplo, dizia que
o homem perverso do qual queremos ficar livres somos nós mesmos. Lutero
confessa que é fácil dizer “seja casto”, mas que a castidade não é tão
fácil quanto colocar e descalçar os sapatos. Pascal exclamava: “Como o
coração do homem é cheio de baixeza!”.
Além
destes, é interessante o exemplo do conhecido administrador de empresas e
consultor Stephen Kanitz. Este anglicano de 66 anos, casado em 1975,
costuma dizer que se casou três vezes com a mesma mulher, pois em três
diferentes ocasiões, como muitos brasileiros, também pensou em “pegar as
malas”.
Talvez nunca tenhamos percebido, mas os
autores de livros devocionais tomam o cuidado de usar a primeira pessoa
do plural em seus escritos. Eugene Peterson, por exemplo, não afirma:
““Você” precisa de um longo aprendizado em oração”, mas: “Precisamos de
um longo aprendizado de oração”. H. E. Alexander não alerta: “Se você
não cuidar, a fé pode simplesmente virar uma rotina que adormece a
consciência e fecha o coração”, mas: “Se não “cuidarmos”, a fé pode
facilmente virar uma rotina”. Assim, estes autores demonstram que são
tão vulneráveis como todas as demais pessoas.
O vento que vai descobrir o sol
Talvez
a última informação de que “nós” precisamos é que até o momento da
parusia (a plenitude da salvação) não há divórcio entre o vento
desfavorável e o favorável, entre o humano e o divino, entre as obras da
carne e as do Espírito, entre a “velha criatura” e a “nova criatura”,
entre o mal-estar e o bem-estar, entre o medo e a coragem, entre a
empolgação e o retraimento, entre a injustiça e a justiça, entre o
desespero e a paz de espírito.
Não temos prestado
muita atenção no verso que afirma que “olho nenhum viu, ouvido nenhum
ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o
amam” (1Co 2.9). A plenitude da salvação coincide com a plenitude da
glória, do reino, da justiça e da história. O poeta e clérigo inglês
John Donne (1573–1631) faz um instrutivo jogo com os advérbios “aqui” e
“ali”: ““Aqui” [neste mundo e neste tempo] tenho algumas faculdades
aguçadas e outras deixadas nas trevas; minha compreensão às vezes é
clareada, ao mesmo tempo em que minha vontade é pervertida. “Ali” serei
apenas luz, sem sombras sobre mim: minha alma envolta na luz da alegria e
meu corpo, na luz da glória”.
Eliú, amigo mais novo de Jó e o que falou por último, declara, para “nossa” alegria, algo fantástico:
“Não
é possível ver o sol quando está escondido pela nuvem; mas ele brilha
de novo, depois que o vento [escatológico] passa e limpa o céu!” (Jó
37.21).
Anselmo Melo
Anselmo Melo,
Carioca, casado e pai de três filhos (herança do Senhor). Pastor Evangélico e empresário. Moro atualmente no Estado de São Paulo onde pastoreio a Igreja de Nova Vida em Limeira. Sou fundador e presidente da Associação Projeto Resgate Vida.
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Esse artigo foi republicado com a permissão de Pastor Anselmo Melo