O antigo puritano William Perkins, no segundo capítulo da sua obra clássica sobre pregação The Art of Prophesying, ofereceu a seguinte instrução aos pregadores: “A Palavra de Deus, exclusivamente, deve ser pregada, em sua perfeição e consistência intrínseca. A Escritura é o objeto exclusivo da pregação, o único campo onde o pregador deve trabalhar”.[1] Isso está intrinsecamente relacionado com a natureza da pregação expositiva.
De forma simples e até tautológica, John A. Broadus afirma que a pregação expositiva “ocupa-se principalmente da exposição das Escrituras”.[2] Tudo flui do texto: as suas divisões e a exploração dessas divisões, todo o conteúdo de pensamento. De acordo com ele, a principal característica de um sermão expositivo é a unidade no discurso: “A unidade no discurso é necessária à instrução, à convicção e à persuasão. Sem ela, o gosto dos ouvintes cultos não será satisfeito; mesmo os incultos, embora talvez não saibam por que, se sentirão bem menos profundamente impressionados”.[3] Isso é interessante, visto que há muita pregação versículo por versículo em nossos dias, mas que nada mais é do uma série de observações desarticuladas e desconexas sobre versículos sucessivos.
O grande problema com a obra de Broadus é aquilo que pode ser percebido no ideário da vasta maioria dos evangélicos e até mesmo de muitos protestantes, a saber, que pregação expositiva é apenas um estilo de pregação, apenas um tipo de sermão classificado de acordo com a sua estrutura homilética. Antigamente, mesmo nossos seminários e institutos bíblicos trabalhavam a prática da pregação da seguinte forma: Primeiro, você prega um sermão tópico. Segundo, um sermão textual. Terceiro, um sermão expositivo. Scholars e professores chegam a recomendar uma variação de estruturas homiléticas em seus sermões, com vistas a “alcançar variedade no método sermonário […] Essa variedade será aceitável e agradável à congregação atenta”.[4]
Interessa-me, particularmente, a definição de pregação expositiva que Albert Mohler apresenta:
A pregação expositiva é aquele tipo de pregação cristã que tem como seu propósito central a apresentação e a aplicação do texto da Bíblia. Todos os outros assuntos e interesses são subordinados à tarefa central de apresentar o texto bíblico. Como Palavra de Deus, o texto das Escrituras tem o direito de estabelecer tanto o conteúdo como a estrutura do sermão. A exposição autêntica acontece quando o pregador apresenta o significado e a mensagem do texto bíblico e mostra com clareza como a Palavra de Deus estabelece a identidade e a cosmovisão da igreja como o povo de Deus.[5]
Nisso reside a principal diferença entre a pregação expositiva e os outros tipos de pregação. Enquanto a pregação temática parte de um tópico em direção a textos bíblicos, e a pregação textual faça uso de uma passagem particular sem, contudo, examinar o intento original daquela passagem, a pregação expositiva “está, portanto, inescapavelmente ligada à obra de exegese séria. Se o pregador tem de explicar o texto, ele deve estudá-lo e dedicar horas de estudo e pesquisa necessárias ao entendimento do texto”.[6] Michael Houdmann afirma que, “tanto no sermão temático como no textual, a passagem da Bíblia é usada como material de apoio para o tema. Em sermões expositivos, a passagem da Bíblia é o tema, e materiais de apoio são usados para explicá-la e esclarecê-la”.[7]
Alguns eruditos, como Sidney Greidanus e John Stott, discordam da diferença estabelecida entre pregação expositiva e pregação textual, afirmando que esta distinção nada mais é do que um ato de confusão. A distinção alvo das críticas é aquela que diz que o sermão expositivo brota de uma passagem da Bíblia mais extensa do que dois ou três versículos, que é uma explicação versículo por versículo de uma passagem escolhida, dentre outras afirmações. Greidanus afirma que pregar expositivamente é “manusear o texto ‘de tal forma que seu significado essencial e real seja manifestado e aplicado às necessidades atuais dos ouvintes, como ele existe na mente do escritor bíblico em particular e como ele existe à luz de todo o contexto da Escritura’”.[8]
John Stott afirma:
Se ele [o texto] é longo ou curto, nossa responsabilidade como expositores é esclarecê-lo de tal forma que ele fale sua mensagem de forma clara, aberta, correta, relevante, sem adição, subtração ou falsificação. Na pregação expositiva o texto bíblico não é nem uma introdução convencional para um sermão num tema totalmente diferente, nem um pretexto conveniente sobre o qual projeta-se uma mistura de pensamentos heterogêneos, mas um mestre que dita e controla o que é dito.[9]
Mesmo Karl Barth disse acertadamente que, “se o pregador se dá por tarefa expor uma ideia sob uma forma qualquer – mesmo se esta ideia resulta de uma exegese séria e adequada – então não é a Escritura que fala, mas fala-se sobre ela. Para ser positivo, a pregação deve ser uma explicação da Escritura”.[10]
O fundamento bíblico de tudo o que foi dito pode ser percebido em Neemias 8:
1 Em chegando o sétimo mês, e estando os filhos de Israel nas suas cidades, todo o povo se ajuntou como um só homem, na praça, diante da Porta das Águas; e disseram a Esdras, o escriba, que trouxesse o Livro da Lei de Moisés, que o SENHOR tinha prescrito a Israel. 2 Esdras, o sacerdote, trouxe a Lei perante a congregação, tanto de homens como de mulheres e de todos os que eram capazes de entender o que ouviam. Era o primeiro dia do sétimo mês. 3 E leu no livro, diante da praça, que está fronteira à Porta das Águas, desde a alva até ao meio-dia, perante homens e mulheres e os que podiam entender; e todo o povo tinha os ouvidos atentos ao Livro da Lei. 4 Esdras, o escriba, estava num púlpito de madeira, que fizeram para aquele fim; estavam em pé junto a ele, à sua direita, Matitias, Sema, Anaías, Urias, Hilquias e Maaséias; e à sua esquerda, Pedaías, Misael, Malquias, Hasum, Hasbadana, Zacarias e Mesulão. 5 Esdras abriu o livro à vista de todo o povo, porque estava acima dele; abrindo-o ele, todo o povo se pôs em pé. 6 Esdras bendisse ao SENHOR, o grande Deus; e todo o povo respondeu: Amém! Amém! E, levantando as mãos; inclinaram-se e adoraram o SENHOR, com o rosto em terra. 7 E Jesua, Bani, Serebias, Jamim, Acube, Sabetai, Hodias, Maaséias, Quelita, Azarias, Jozabade, Hanã, Pelaías e os levitas ensinavam o povo na Lei; e o povo estava no seu lugar. 8 Leram no livro, na Lei de Deus, claramente, dando explicações, de maneira que entendessem o que se lia.
O texto foi lido e o texto foi exposto, explicado e aplicado às vidas do povo de Israel. Isto posto, fica claro que os seguintes elementos mínimos identificam uma pregação expositiva[11]:
- A mensagem encontra a sua única fonte na Escritura.
- A mensagem é extraída da Escritura a partir de cuidadosa exegese.
- A preparação da mensagem interpreta corretamente a Escritura em seu sentido normal e em seu contexto.
- A mensagem claramente explica o significado original da mensagem de Deus na Escritura.
- A mensagem aplica o significado da Escritura para os dias de hoje.
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Notas:
[2] John A. Broadus. Sobre a Preparação e a Entrega de Sermões. São Paulo: Hagnos, 2009. p. 65.
[3] Ibid. p. 67.
[4] Ibid.
[5] R. Albert Mohler, Jr. Deus Não Está em Silêncio: pregando em um mundo pós-moderno. São José dos Campos: Fiel, 2011. p. 75.
[6] Ibid. p. 76.
[8] Sidney Greidanus. O Pregador Contemporâneo e o Texto Antigo. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. p. 26.
[9] John R. W. Stott. Between Two Worlds: the art of preaching in the Twentieth Century. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1982. p. 126.
[11] Richard L. Mayhue. “Rediscovering Expository Preaching”. In: John MacArthur (Org.). Recovering Expository Preaching. Nashville, TN: Thomas Nelson, 1992. pp. 12-13.
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Autor: Rev. Alan Rennê Alexandrino Lima
Fonte: Electus
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Esse artigo foi republicado com a permissão de Blog Bereianos.