Quando penso sobre a história do cristianismo, uma palavra sempre vem à mente: a palavra Zelo. O zelo pela Palavra de Deus que os cristãos tiveram para conservá-la cara e pura para que hoje pudéssemos conhecer o Caminho, a Verdade e a Vida Eterna. Mas percebe-se que o zelo varia no decorrer das épocas.
As Escrituras Sagradas são a pura e autêntica revelação da Palavra de Deus aos homens. Aos cristãos cabe o zelo de defendê-la, examiná-la, nela perseverar para que nos seja útil e nela nos seja revelado o caminho da Salvação.
O Zelo estava presente entre os apóstolos e a igreja apostólica quando perseveravam na doutrina. Mas os anos foram passando e o zelo dos cristãos diminuiu. Os homens, assim como Adão já fizera, ousaram ser iguais a Deus. Com as Escrituras fechadas passaram a promulgar “revelações”, que se tornavam doutrinas. O zelo pela Palavra esvaziou e a ousadia em “revelar” chegou ao ápice quando as tornaram doutrina com a mesma autoridade da Bíblia, e, por vezes, até superior. Assim, aos poucos, a Bíblia fechada deu espaço às “revelações de doutrinas” promulgadas com fins humanos, pecaminosos e interesseiros atendendo aos anseios de poder e à astúcia política, chegando-se ao extremo de vender perdão dos pecados e o próprio céu como hoje se vende ingressos de cinema ou teatro.
Entretanto, a Palavra de Deus continuava viva e eficaz como espada de dois gumes. Ela não transformava corações e vidas porque estava fechada e inacessível às pessoas. Foi por causa dos interesses heréticos da cúpula da igreja que a Bíblia foi isolada do povo para que ninguém se “tornasse sábio para a Salvação” (1 Timóteo 3.15).
Mas a Igreja do Senhor Jesus tinha a promessa: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mateus 16.18). Deus sempre manteve homens fiéis às Sagradas Letras, e, ainda, em tempo oportuno, usou de forma especial seus homens de fé para colocar a Bíblia de volta ao Púlpito, tornando-a o centro da igreja cristã. Para tanto usou homens de diferentes épocas, culminando no Dr. Martinho Lutero, quando desencadeou-se o movimento que conhecemos como Reforma Protestante (31/10/1517).
Foi em Lutero que a Bíblia passou a ser um livro aberto para o povo, quando fez a tradução para a sua língua nacional (Novo Testamento, em 1521, e a Bíblia completa, em 1534). As Escrituras foram colocadas à venda através da recém descoberta imprensa, por um custo 280 vezes menor do que as Bíblias latinas manuscritas. Para Felipe Melachthon, “a tradução da Bíblia foi uma das maiores maravilhas que Deus realizou por intermédio de Lutero, antes do fim do mundo”.
O crescimento e a força de retorno às Escrituras não foi mérito isolado da retórica, perspicácia e argumentação dos reformadores (Lutero, Melanchthon, Calvino, Zwinglio e outros) que deram o impulso da recristianização do povo. Foi a Bíblia aberta e compreensível que tornou o povo “sábio para a Salvação”. É claro que existiu ambiente político, social e religioso favoráveis, mas a Bíblia aberta nas mãos do povo é que fez a diferença, pois a Bíblia é Deus falando aos corações das pessoas.
O que me preocupa é que hoje o filme começa a se repetir. Estão se proliferando instituições religiosas que, em nome da espiritualidade dos seus líderes, fecham as Escrituras para receberem revelações através da oração, da meditação ou diretamente do Espírito Santo. Em geral faltam critérios e não há quem “examine as Escrituras” para comprovar a veracidade. A Igreja Medieval também não teve a intenção de se afastar da verdade, mas quando a Bíblia foi fechada para serem ouvidas “palavras santas” ditas por “homens de fé”, a igreja entrou em decadência. Hoje corremos este risco, pois, além de certas revelações tornarem-se ensino de igrejas, já surgem instituições que detêm ao seu líder o privilégio do contato com Deus e a revelação a ser seguida. Isto, sem contar que muitas doutrinas são ensinadas sem qualquer fundamento bíblico.
Amados pastores e leigos em geral, a nossa preocupação não questiona o poder do Espírito Santo e suas manifestações, pois isto é bíblico, mas chamamos a atenção ao que se faz e atribui ao Espírito Santo para alimentar poder e pensamento de homens. O Espírito, que continua o mesmo, não contradiz a revelação dada à cristandade – A Bíblia. Surgem doutrinas e preceitos sem fundamentação bíblica, ditados em nome de revelações sobrenaturais. Penso que se evidencia a advertência do apóstolo Paulo: “Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes que não pouparão o rebanho” (Atos 20.29). A Bíblia fechada e homens loquazes são instrumentos importantes para Satanás perturbar a igreja cristã.
Zelemos pela revelação Bíblica, devolvida ao povo com a Reforma; ela é a Herança dos Céus para a Salvação da Humanidade (Jo 20.30,31). Nesta obra não estamos sozinhos nem isolados, mas esta é uma obra própria de Deus para que as portas do inferno jamais prevaleçam contra a Igreja. O discernimento é um Dom de Deus que ele nos dará para o bem da igreja.
Para nós dirige-se a Palavra: “Vigiai e Orai” (Mateus 26.41) e a promessa: “Estarei convosco” (Mateus 28.20).
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Autor: Rev. Airton S. Schroeder
Fonte: Presbiterianos Calvinistas
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Esse artigo foi republicado com a permissão de Blog Bereianos.