Marc Bertrand
Essa é provavelmente a reação que você teve quando se deparou com a história de Judá e Tamar. Não será a última história que faz você fazer essa pergunta. Precisamos lembrar que a narrativa do Antigo Testamento não é “prescritiva”, mas “descritiva”. Nós não estamos ouvindo uma história que está nos dizendo como devemos agir, em vez disso, estamos ouvindo uma história nos dizendo sobre o que realmente aconteceu e revelando como Deus agiu em relação aos personagens da história. Às vezes, temos um relato detalhado da justiça ou misericórdia de Deus; às vezes temos a visão de longo prazo que requer capítulos inteiros antes que a imagem apareça. Tenha em mente, no entanto, que Deus é o herói da história da Bíblia. É a história de como Deus está redimindo para si um povo; livrando-os do seu pecado e santificando-os para si mesmo. O incrível é que Deus muitas vezes redime algumas pessoas muito miseráveis.
Judá é um daqueles infelizes. A história de Judá e Tamar em Gênesis 38 pode ser uma das histórias mais estranhas de toda a Sagrada Escritura. À primeira vista, é igualmente ofensivo e inescrutável, mas, numa inspeção mais minuciosa, produz muitos insights úteis sobre o caráter de Deus, a natureza do pecado e a esperança de nossa redenção. A história se desenrola em cenas ou etapas distintas:
Cena 1 – O Personagem de Judá em Exposição
Na cena 1, nos familiarizamos com o personagem principal, humanamente falando, nessa narrativa incomum. Judá é o quarto filho nascido de Lia, a esposa não amada de Jacó. O que ele aprendeu quando criança, antes que seu pai Jacó se convertesse no Jaboque? Ele tinha visto seu pai ser disputado entre suas esposas; ele viu sua mãe e sua irmã manipularem seu pai com sedução sexual. Judá cresce em uma família muito disfuncional.
Nos últimos 17 anos, ele viu seu meio-irmão José sendo o favorito de todos os seus irmãos. Tão grande é o seu desprezo por seu irmão que ele conspira com seus irmãos para matá-lo quando eles o veem no campo. É apenas a voz de seu irmão mais velho, Ruben que os impede, eles então o jogam em um poço seco. Judá é um homem mau.
Olhando para os campos, ele viu um grupo de traficantes de escravos indo para o Egito, e assim ele o puxou para fora do poço e o vendeu por 20 siclos de prata. Claramente, Judá é um homem mau.
Então, para cobrir sua culpa, os irmãos matam uma cabra e mergulham o manto de José no sangue e o apresentam ao pai com a pergunta: Por favor, identifique o dono deste manto?Com essa mentira, um casaco de muitas cores coberto de sangue, Judá e seus irmãos partem o coração de seu pai. Eu não preciso dizer isso novamente, mas eu vou dizer: Judá é um homem mau.
Não é por acaso que esta história sobre Judá interrompe a história sobre José, os dois estão amarrados juntos. Depois de vender seu irmão à escravidão, Judá se separa por um tempo de seus irmãos, ele conhece um pobre amigo – Hirah, o Addullamita – um cananeu e se muda para outra parte de Canaã. Abraão não teria uma esposa cananéia para Isaque; Isaque não tomou uma esposa cananéia por Jacó e lamentou que Esaú tivesse se casado com um cananeu. Mas Judá não pensa em levar uma mulher cananéia como esposa. Nós não sabemos o nome dela – só que ela era a filha de Shua.
Ela lhe dá três filhos: Er, Onan e Shelah.
E eles não caem longe da árvore. Eles têm uma cruel, perversa, convivência entre irmãos; a Bíblia simplesmente nos diz que eles eram maus. Tão perversos que Deus não permite que os dois primeiros vivam, mas os leva à morte.
Cena 2 – Tamar Privada de Justiça
Em nossa história entra uma jovem cananéia. Seu nome é Tamar que significa “Palmeira”. É Judá quem organiza o casamento em nome de seu filho Er. Espero que seu pai tenha dado um dote ao casal recém-casado e eles tenham começado a vida juntos. Tamar e Er – um homem mau, o filho de um homem mau. Nós não sabemos nada do relacionamento deles, de que maneira Er foi mau? Ele bateu na esposa? Ele insultou e menosprezou ela? Tamar sofreu? Ela sofreu pelo menos de um jeito. Seu marido morreu e a deixou viúva sem filhos.
Esta foi uma das piores situações em que uma mulher poderia se encontrar no antigo mundo de Canaã. Sem segurança social, sem assistência social, sem redes de segurança, sem lares pobres ou casas de repouso para idosos. Uma mulher dependia de seus filhos para apoiá-la e cuidar dela na velhice.
Assim, os códigos da lei do mundo antigo afirmavam que o próximo irmão na fila deveria levá-la como sua própria esposa e garantir que ela tivesse filhos para que a linha de seu irmão continuasse.
Então Onan é chamado para realizar esse dever.
Mas os cálculos na mente de Onan mostram-lhe que, se Tamar tiver um filho, isso reduzirá sua fortuna. Com Er fora do caminho, Onan deve herdar a parte da herança destinada aos primogênitos – metade de tudo que seu pai possui – não a parte que viria a ele se Er tivesse vivido. Mas se Tamar tiver um filho, esse filho será considerado o filho de Er, não de Onan, e assim o primogênito de Tamar estaria na fila para herdar uma parte maior.
Então nós temos este terrível episódio na Bíblia. Onan sabia que a descendência não seria dele. Então, sempre que ele entrava na esposa de seu irmão, ele desperdiçava o sêmen no chão, para não dar descendentes a seu irmão. (Gn 38: 9)
Onan está disposto a tratar Tamar como um objeto de prazer – mas não como uma pessoa a quem a justiça é devida.
Isso é opressão. Ele está oprimindo sua cunhada. Ela está legalmente ligada a ele e sua família. Ela não tem nenhum recurso para ir a outro lugar – mas em vez de lhe dar uma esperança e um futuro, ele simplesmente usa e abusa dela e a deixa sem filhos.
Deus vê isso. Deus lida com isso. Deus mata Onan porque ele é mau.
E agora um filho permanece para Judá – e ele não tem herdeiros de Tamar. Seus filhos estão mortos por causa de sua própria maldade – mas Judá começa a olhar para Tamar como se ela fosse a causa.
Então ele a manda para o pai dela para esperar até que seu filho mais novo tenha idade suficiente para se casar. E então Tamar é convidada a colocar sua vida em espera. Ela ainda é ligada à família de Judá – ela é agora considerada a esposa casada de Shelah – mas ela deve esperar, vai viver na casa de seu pai.
E o tempo passa.
Semanas, meses, anos?
Judá não envia seu filho para Tamar. Ela foi esquecida – deixada de lado, ligada a um homem que nunca dará filhos a ela.
Então chega a notícia de que a esposa de Judá morreu; ele completa seu tempo de luto e planeja ir até Timnah para cortar ovelhas.
Cena 3 – Vergonha de Tamar e Judá.
Em Canaã, o corte de ovelhas era um tempo famoso para a devassidão. Não seria útil para a sua santificação pessoal conhecer os detalhes dos rituais cananitas, gostaria de não citá-los. Mas basta dizer que os cananeus adoravam seus ídolos por meio de “prostitutas de culto”.
Então Tamar deixa de lado a roupa de sua viúvez, coloca o véu de uma prostituta e senta-se ao lado da estrada esperando por seu sogro.
Há intenção aqui. Ela não está simplesmente sendo prostituta para qualquer homem – ela está à espreita de Judá. (O que isso lhe diz sobre o caráter desse homem, que essa mulher partiu dessa maneira para capturá-lo?)
Funciona, Judá vê a jovem prostituta e lhe faz uma proposta. (Lembre-se, este é um homem mau com quem estamos lidando – em cada turno ele confirma isso.) Ele lhe pagará uma cabra por seus serviços – e em penhor ele lhe dá um SELO PESSOAL – não é muito diferente de entregar seu cartão de crédito ou carteira de motorista. Estes são itens exclusivos que identificam um proprietário específico.
A ação está feita. Tamar está grávida de seu sogro e Judá está confuso a respeito do que foi feito com seu selo.
Ele envia a Tamar o animal prometido através de seu malvado amigo Hiram que descobre não haver nenhuma prostituta na aldeia.
‘Ela se foi … Eu não sei onde ela foi. Quer que eu ponha um cartaz procurando-a ? Eu imagino que esse seja o tipo de piada que Judah ouviu de seu amigo perverso.
“Não, claro que não”, Judá não se envergonha de seu pecado, tem vergonha de ter se aproveitado e deixado escapar uma prostituta com pertences tão importantes. Mas ele não vai expor ao ridículo, tornando o fato conhecido por toda a comunidade.
“Deixe-a tê-los … pelo menos a minha respeitabilidade está intacta.” Esse é o sentimento que percebemos da passagem.
Cena 4 – A hipocrisia de Judá e o destino de Tamar
Três meses se passam. E a notícia chega a Judá de que Tamar, com quem se prostituiu está grávida.
Agora – entenda isso – a fúria de Judá não é contra Tamar como a viúva de seus dois primeiros filhos. Sua alegação contra ela – a acusação que está sendo levantada, é que ela cometeu adultério contra Shelah – seu filho mais novo, a quem ela agora está prometida.
Sua ira é que o nome de sua família foi levado a desrespeito e desonra. As pessoas estarão falando pelas costas. Ele vai ser motivo de chacota.
Então ele toma uma decisão:
“Traga-a para fora e deixe-a ser queimada.”
A multidão se reúne, empilha a madeira. O moinho de rumores está se agitando. Mas antes de Tamar sair para sua última caminhada até o fogo, ela envia a Judá seus pertences:
“Por favor, identifique a quem pertence esses itens. Por este homem estou grávida.
Cena 5 – Arrependimento e Conversão
E nesse momento algo muda. Judá é culpado. Mas ele finalmente vê, seus olhos estão abertos e ele finalmente reconhece sua própria culpa.
Ele é culpado de privar Tamar da justiça, mantendo seu filho longe dela.
Ele é culpado de engravidar sua nora.
Ele é culpado de hipocrisia grosseira – pois estava pronto para matá-la pelos próprios pecados de que era culpado.
E isso não é apenas um sentimento de constrangimento público. Isso é arrependimento genuíno que vai direto ao coração. Ela vai ser a mãe de meninos gêmeos – ambos contados como os filhos e herdeiros de Judá – mas ele nunca mais colocará sua mão sobre Tamar.
Judá não apenas se arrepende, seu arrependimento é real, seu coração é convertido. O implacável e impiedoso Judá está longe de ser encontrado.
Quando soube que a única maneira que a comida poderia ser comprada para a família implicava trazer seu irmão mais novo para o Egito, ele oferece sua própria vida como garantia.
E Judá disse a seu pai Israel: Envia comigo o menino, e nos levantaremos e iremos, para que vivamos e não morramos, tanto nós como vós e também nossos pequeninos. Eu serei um penhor de sua segurança. Da minha mão você exigirá dele. Se eu não o trouxer de volta para você e colocá-lo diante de você, então deixe-me levar a culpa para sempre. Se não tivéssemos nos demorado, agora teríamos retornado duas vezes. ”(Gênesis 43: 8-10 )
É claro – o homem do outro lado é José, o irmão Judá uma vez vendido para comerciantes de escravos. Judá não sabe quem ele é – mas quando José ameaça prender Benjamim, vemos um Judá muito mudado – ele agora implora a vida de seus irmãos e oferece sua própria vida em penhor por seus irmãos. De onde veio esta enorme mudança de coração – parece que a história de Judá e Tamar foi o ponto de conversão no coração de Judá.
“Agora, portanto, assim que eu chegar ao seu servo meu pai, e o menino não estiver conosco, então, como sua vida está ligada à vida do menino, assim que ele vir que o menino não está conosco, ele morrerá, e seus servos trarão os cabelos grisalhos de seu servo nosso pai com tristeza ao Sheol. Porque o teu servo se tornou em penhor de segurança para o menino, dizendo: ‘Se eu não o trouxer de volta a ti, então levarei a culpa antes de meu pai durante toda a minha vida’. Agora, portanto, por favor, deixe seu servo permanecer em vez do menino como servo de meu senhor, e deixe o garoto voltar com seus irmãos. Pois como posso voltar para o meu pai se o menino não está comigo? Tenho medo de ver o mal que encontraria meu pai. ”(Gênesis 44: 30-34)
Vemos na história de Judá e Tamar o escândalo da graça. Seu filho, Perez, fará parte da cadeia genética que resulta no nascimento de Cristo. Chegarmos a Cristo e seu sacrifício expiatório para podermos entender completamente o alcance da graça de Deus. Tão profundo, tão completo será o sacrifício do Salvador que nenhum pecado está fora de sua capacidade de perdoar.
Há pecados que o mundo nunca está disposto a perdoar. O mundo estabelece uma condenação eterna contra ações como Tamar e Judá – mas se você pudesse apenas saber o quão escuras e distorcidas são as vidas das pessoas que você encontra todos os dias, você entenderia porque Deus registra essa história para a posteridade.
Um Salvador que só pode resgatar pessoas de pequenos furtos, mentir sobre seus impostos e pensar em pensamentos impuros não está indo fundo o suficiente para redimir a humanidade perdida.
A entrada do Filho de Deus no mundo é uma boa notícia para aqueles que vivem sob a culpa do pecado grave. Sua graça é suficiente para expiar todo pecado. Até mesmo um relacionamento incestuoso entre Tamar e Judá.
O resultado de abraçar seu perdão gracioso não é licença – mas conversão. As consequências naturais nesta vida podem permanecer. Aquele que sempre foi tentado por certos pecados fará bem em estabelecer uma grande distância entre ele e sua tentação – mas nós acreditamos que a graça de Deus é suficiente para transformar o pecador mais miserável.
[originalmente escrita em 5 de fevereiro de 2016 por adfontes.ca ]
***Adicional: “Onde estão os homens de Deus?” Steve Hill- Legendado.
https://www.youtube.com/embed/fXjXGUlzvu8
Esse artigo foi republicado com a permissão de Wilma Rejane Neri Moura