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A Vale, a Samarco e o velório do Ribeirão do Carmo

João Cruzué

Casa perto do Ribeirão do Carmo no Córrego do Bubu

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POR: JOÃO CRUZUÉ
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Eu conheci o Ribeirão do Carmo em 1965, quando tinha nove anos. Embora tivesse nascido ao lado dele, fui embora aos seis meses de idade. Minha viagem de volta foi cheia de aventuras, apesar de poucos dias, guardei lembranças que ainda perduram por 50 anos. Assim como existe aquele Livro “O Velho e o Mar”, vou parodiar o assunto com “O menino e o Rio”. Esta história, recentemente, teve um final triste, porque a  Companhia Vale do Rio Doce, disfarçada de “Samarco” acabou com a vida existente na metade da extensão do Ribeirão do Carmo.

Antes de reclamar do assunto, quero dizer uns desaforos. Assim como o ouro de Minas Gerais foi surrupiado pelos portugueses e acabou no bolso dos ingleses, as montanhas mineiras de hematita estão indo embora a preço de banana. Preço de banana, não! Depois deste mar de lama que desceu da barragem de Bento Rodrigues, o prejuízo ambiental foi tanto, que 100 anos de exportação de minério não vai conseguir recuperar. “Parabéns!” Companhia Vale do Rio Doce.


Rio do Carmo – um Rio ferido de morte pela Cia Vale do Rio Doce

Meu pai, Seu Militino Vitorino Cruzué, nasceu em um sítio no Córrego do Bubu, e foi registrado em Barra Longa. O o velho Sebastião Vitorino Cruzué, meu avô, era de São Pedro dos Ferros. Eu também nasci no tal Córrego do Bubu, um pequeno afluente do Ribeirão do Carmo, mas fui registrado em Cartório de Ponte Nova.

Quando voltei em 1965, para rever meu berço natal, eu fiz uma breve viagem acompanhando a Dona Glória, minha mãe. Nós saímos de Iapu,  de ônibus, para Caratinga. Em Caratinga nós compramos passagem na Empresa Pássaro Verde, em direção a cidade de  Ponte Nova. Chegando em Ponte Nova, eu conheci, pela primeira vez a “Maria Fumaça”. Quando aquele monstrengo de aço veio atrás de mim, soltando um vulcão de fumaça pela chaminé, rugindo como um trovão, eu tremi nas minhas calças curtas. Se minha mãe não segurasse minha mão, eu estaria correndo até hoje.

Fomos de Maria Fumaça, da Companhia Leopoldina Railway, itinerário de Ponte Nova – Dom Silvério. Pelo caminho, passamos por Pontal e descemos em uma pequena vila chamada Chopotó ou Xopotó. O trem soltava uma nuvem enorme de fumaça e pequenos grãos de carvão ou de algo parecido de sua chaminé. aquelas bolinhas caiam nos olhos dos passageiros, e eles ficavam vermelhos. De Ponte Nova à Dom Silvério, boa parte do caminho seguia à margem do Rio Piranga, e depois de Chopotó, onde eu desci, ele se junta com o Ribeirão do Carmo para formar o Rio Doce.

Assim que descemos, caminhamos uns 05 quilômetros até a casa do Tio Zé Brás. Minha mãe tinha muita afinidade com Tia Maria. À noite fui com as duas para tomarmos banho na cachoeira do Rio Carmo, onde as águas borbulhantes à luz da lua, era como prata pura. Hoje, passou a ser pura lama da Vale do Rio Doce e Samarco.

Das coisas desta viagem, lembro de ter ido à missa em Chopotó com minhas tias Laudelina e Mariquita, irmãs de meu pai. Mesmo tenho passado 51 anos, também me lembro do sermão do padre, falando sobre detalhes de anatomia das crianças. Ele disse mais ou menos que, quando precisassem corrigir os pirralhos chinelassem só no bumbum, parte do corpo que, segundo ele, Deus tinha feito especialmente para amortecer umas chineladas.

Também me lembro dos bichanos e dos cachorros das tias, assim como do cardume de barrigudinhos que havia no poço de um córrego, onde caía uma bica d’água para lavar vasilhas.  Lembro-me da fazenda Apaga Fogo, de um vizinho de meu pai, Sr. João da Silva Lana. Para terminar, vi e visitei a casa onde nasci. Curiosamente, há pouco tempo recebi uma foto, presente de meus primos paternos. Ela ainda está de pé. Veja!

Eu ouvia dizer que depois de terminadas as atividades das colheitas, o povo pegava as bateias e iam batear ouro no leito do Ribeirão do Carmo, que desce de Ouro Preto. Dizia os antigos que conheci que este curso d’água também tinha o nome de “Corgo do Ouro”.


Bateando ouro no Ribeirão do Carmo

O que restou disso hoje é uma sepultura de lama. Você pensa que com o rompimento da barragem, a lama acabou? Não! Ela continuou correndo por dias e meses. De Barra longa para baixo, o Ribeirão do Carmo morreu e foi sepultado. Da sua junção com o Rio Piranga, nasce o Rio Doce. Deste trecho até o mar capixaba, é pura lama e é lama pura.

Não bastasse a expropriação do ouro do século XVIII, agora as montanhas de ferro das Gerais exportadas à preço de banana. Neste processo, o lixo remanescente é estocado em lagoas de lama, com barragens de contenção feitas com material de terceira. Um gatilho de armadilha que foi acionado e o estrago foi muito grande. Acabou-se o Ribeirão de cachoeiras prateadas e o Rio Doce só voltará a ser doce, de fato, daqui a uns 50 anos – e olhe lá.

Eu bem sei que aquelas multas bilionárias, são apenas conversa fiada para enganar o ouvido de tolos.

Esse artigo foi republicado com a permissão de Olhar Cristão