Uma das expressões mais conhecidas hoje no Brasil é o “tudo acabou em pizza”. Pessoalmente, eu amo pizza, mas fico engasgado com a expressão pelo que ela representa. Essa expressão ficou nacionalmente famosa em uma discussão política em 1992, durante o processo de impeachment do presidente Collor. Seu significado é uma dura acusação à tendência brasileira de acomodação e impunidade quando poderosos são ameaçados.
Como brasileiros, odiamos o conflito, somos culturalmente afeitos à aparente gentileza, a “livrar a cara” evitando constrangimentos, a preservar relacionamentos e “amizades”. Inclusive porque estas podem ser úteis e necessárias em breve… Não somos bondosos ou gentis de verdade (basta ver os índices de criminalidade e violência doméstica). Gostamos, isso sim, de manter as aparências, de evitar o confronto, de preservar uma paz, ainda que apenas superficial.
Isso faz com que sejamos muito abertos, mesmo como povo evangélico, à doutrina herética do universalismo. Universalismo, em resumo, defende que, no final, todos serão salvos, ninguém será enviado ao inferno ou excluído do céu. Na verdade, essa doutrina resiste à própria ideia de inferno e não poucos esforços foram feitos para fundamentar essa heresia. O argumento mais comum é: “Como pode um Deus de amor condenar alguém à uma eternidade de sofrimento?”. Talvez o livro recente de maior projeção sobre o tema é O Amor Vence, do ex-pastor americano Rob Bell. Mas não precisamos ir longe: há vários pastores brasileiros que tem ou omitido qualquer menção ao inferno, ou promovido a ideia de que todos serão salvos, ainda que para isso tenham de “atualizar” a Bíblia. Historicamente, a posição universalista está associada a pensadores que negam a divindade de Cristo, os milagres e, obviamente, a morte substitutiva.
A doutrina do inferno ou da punição eterna e consciente daqueles que não confiam em Jesus Cristo é realmente difícil de “engolir”.
De qualquer forma, a doutrina do inferno ou da punição eterna e consciente daqueles que não confiam em Jesus Cristo é realmente difícil de “engolir”. O famoso teólogo inglês C. S. Lewis escreveu:
“Não existe doutrina no cristianismo que eu gostasse mais de remover do que esta, se tivesse esse poder. Mas ela tem o pleno apoio das Escrituras e, especialmente, das próprias palavras de Nosso Senhor; foi sempre mantida pela cristandade; e está fundamentada na razão”.[1]
Essa resistência, embora justificada por nossa miopia espiritual, é curiosa, pois Jesus foi quem mais falou sobre o inferno. Na verdade, ele falou mais do inferno do que todos os outros autores bíblicos juntos (por exemplo, Mateus 10.28). Os argumentos de que punição eterna é injusta ou desproporcional, ou mesmo sem sentido, ignoram, talvez propositalmente, o fato de que estamos sob a ira de Deus. Conforme João 3.36: “Quem crê no Filho tem a vida eterna; já quem rejeita o Filho não verá a vida, mas a ira de Deus permanece sobre ele”.
“Quem crê no Filho tem a vida eterna; já quem rejeita o Filho não verá a vida, mas a ira de Deus permanece sobre ele”. (João 3.36)
Dentre os muitos textos nos Evangelhos (a grande maioria) e o livro de Apocalipse, a segunda carta de Paulo aos Tessalonicenses afirma com grande ênfase a realidade do inferno:
“Ele punirá os que não conhecem a Deus e os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus. Eles sofrerão a pena de destruição eterna, a separação da presença do Senhor e da majestade do seu poder.” (2Tessalonicenses 1.8-9)
Há pelo menos quatro características que merecem ser destacadas: (1) punição, (2) destruição, (3) eternidade e (4) separação.
- Por punição, entendemos a justiça de Deus em castigar nosso pecado. A realidade é que somos culpados de nossos pecados e já havíamos sido avisados de que, para Deus, as coisas não acabam em pizza, mas devem ter consequências – neste caso, punição (Marcos 9.42-48 e Hebreus 10.26-31).
- Por destruição, entendemos a seriedade e rigor dessa punição (Mateus 7.13-14 e Apocalipse 21.8). O conceito de destruição gerou em alguns pensadores a teoria do aniquilacionismo, ou seja, de que aqueles que morrem sem Cristo deixarão de existir. Embora trouxesse algum alívio (afinal, deixar de existir é melhor ou “menos pior” do que sofrer eternamente, não?), esse pensamento não se alinha com outras passagens.
- Por eternidade – ou seja, não deixar de existir – entendemos que a punição será contínua, para sempre. O primeiro argumento é que somos seres destinados à eternidade e a punição eterna não visa pagar nossos pecados, mas é o destino que nos cabe ao nos declararmos inimigos de Deus (Mateus 25.46 e Apocalipse 20.10).
- Por fim, entendemos que a separação significa o afastamento eterno do próprio Deus. Sendo ele a própria vida, o afastamento eterno dele pode ser entendido como a morte eterna (Mateus 25.41 e Apocalipse 22.14-15).
Nossa mente luta em aceitar algumas realidades bíblicas fartamente estabelecidas. Minha oração, no entanto, é que nem nossa “gentileza brasileira”, nem o desejo de ser “agradável”, nos faça evitar o ensino dessa dura realidade. Afinal, para aqueles que não confiam em Jesus Cristo como seu Senhor e Salvador, as coisas não acabam em pizza.
Nota
- C. S. Lewis, O Problema do Sofrimento (Guarulhos, SP: Editora Vida, 2006), p. 85.
Daniel Lima foi pastor de igreja local por mais de 25 anos. Formado em psicologia, mestre em educação cristã e doutor em formação de líderes no Fuller Theological Seminary, EUA. Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida por 5 anos, é autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem 4 filhos, uma neta e vive no Rio Grande do Sul desde 1995.