Há duas semanas tenho escrito sobre como um cristão pode manter-se fiel ao longo de sua vida e ministério (“Identidade e Fidelidade” e “Intimidade e Fidelidade”). Entendo que há pelo menos quatro áreas interrelacionadas a se cultivar para se preservar a fidelidade ao longo do tempo: Identidade, Intimidade, Integridade e Interação. Esta semana quero falar sobre integridade diante de Deus.
Temos vivido um período de profundo cinismo como nação e até mesmo como mundo. Temos presenciado figuras públicas que têm demonstrado repetidamente que não vivem o que afirmam. Na verdade, é ainda pior: não só não vivem o que ensinam, como também ocultam seus desvios para continuar tirando vantagem. No mundo político, isso é tão comum que qualquer outra postura é considerada ingênua ou irreal. Na boca do povo e em algumas campanhas políticas há o trágico provérbio: “Rouba mais faz”.
O povo então assume que a vida é assim mesmo, você fala uma coisa mas vive outra. Não existe ninguém honesto ou íntegro. A própria tentativa de afirmar integridade pessoal é vista com suspeita pelos que ouvem. É certo que a Bíblia afirma que todos pecamos (Romanos 3.23) e, portanto, o único inteiramente íntegro é Jesus Cristo. Essa realidade teológica, no entanto, não pode servir como “vala comum”. Ou seja, já que todos pecaram vou continuar pecando e mentindo a respeito de minhas falhas.
A palavra nos aponta um outra caminho, um caminho onde afirmo que a integridade ou idoneidade é meu alvo e meu padrão. Toda vez que me desvio dela eu me arrependo, faço reparações e continuo perseguindo o mesmo alvo. Paulo deixa isso claro em Filipenses 3.12-14. Ali ele afirma que ainda não foi aperfeiçoado (ou tornado perfeito), mas que prossegue rumo ao alvo, rumo ao seu chamado celestial.
Para o cristão, integridade significa reconhecer seu pecado e sua perdição enquanto, ao mesmo tempo, aponta para Cristo e afirma que esse é nosso alvo, nosso destino.
Esse cinismo quanto à integridade é ainda mais trágico quando vivido e mesmo defendido por cristãos. Baseados na graça e no perdão, eles distorcem o propósito de Deus e afirmam que o pecado não tem impacto ou qualquer influência na vida ou no ministério. Defendem que só Cristo é perfeito e que Deus usa pecadores (afirmações corretas), portanto não precisam viver uma vida de disciplina ou de autonegação (distorções perigosas). É aquilo que Bonhoeffer chama de graça barata:
A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina de uma congregação, é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, é a absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado.[1]
A palavra integridade significa “estar por inteiro”. Para o cristão, isso significa reconhecer seu pecado e sua perdição enquanto, ao mesmo tempo, aponta para Cristo e afirma que esse é nosso alvo, nosso destino. Como cristão pratico a integridade não ao esconder meus pecados, mas ao confessá-los e continuar caminhando em direção a Cristo.
Integridade ou santidade é um compromisso fundamental para o cristão que deseja permanecer fiel.
O apóstolo João trata desse tema em sua primeira carta. Ele ali defende a fé cristã contra aquilo que mais tarde veio a ser conhecido como gnosticismo, uma heresia que dividia a realidade entre material e espiritual, alegando que apenas o mundo espiritual importava para a fé cristã e que, portanto, pecados cometidos no corpo eram irrelevantes. Foi exatamente esse grupo que divulgou e promoveu a heresia de que Cristo ressuscitou apenas em espírito e não em carne. Repare a argumentação no trecho de 1João 1.5 até 2.6:
- No verso 1.6 João afirma que é impossível ter comunhão com Deus e permanecer no pecado. O mesmo pode ser dito da integridade. Quem afirma andar com Deus tem um compromisso com a integridade.
- O verso 1.8 confirma nosso estado caído, mas o verso 9 afirma que, diante de nossa confissão, Deus, por seu próprio caráter, está pronto a nos perdoar (reparem que não para aí…) mas também tem poder para nos purificar.
- O verso 2.1 nos exorta a não pecar, porém, caso pequemos, temos um advogado justo: Cristo Jesus. Ou seja, nosso compromisso é uma vida transformada, mesmo que tenhamos a benção do perdão.
- Os versos 2.3-5 denunciam claramente que quem ama a Deus obedece. É importante observar que esses versículos vêm na sequência dos versos 1 e 2. A realidade do nosso perdão, de que não há sobre nós condenação, não pode ser usado como desculpa para relegarmos integridade apenas para alguns santos ou para discussões teológicas. Justamente por ser pecador, caminho em integridade toda vez que confesso meu pecado e continuo a buscar a transformação de Cristo.
Integridade ou santidade é um compromisso fundamental para o cristão que deseja permanecer fiel. Minha sincera oração por minha vida, por minha família, por minha igreja e por você, é que busquemos a integridade como padrão de vida.
Nota
- Bonhoeffer, D., Discipulado (São Leopoldo: Editora Sinodal, 1986)
Daniel Lima foi pastor de igreja local por mais de 25 anos. Formado em psicologia, mestre em educação cristã e doutor em formação de líderes no Fuller Theological Seminary, EUA. Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida por 5 anos, é autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem 4 filhos, uma neta e vive no Rio Grande do Sul desde 1995.