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A Trindade, a Criação e os “Pais e Mães de Pets” – Bereianos

Bereianos



Tem se tornado cada vez mais comum encontrarmos proprietários de animais de estimação, como cães, gatos e pássaros, que denominam o seu relacionamento com os seus “pets” como “pais e filhos”. São homens e mulheres que se declaram “pais” e “mães de pets”, que tiram fotos com os seus animais e nas legendas escrevem frases como: “Uma selfie com a mamãe” ou “Primeira foto com a filha”. Além disso, sobrenomes de famílias são atribuídos aos animais, festas de aniversário são organizadas, decorações dispendiosas são utilizadas e até mesmo funerais, com a família em torno do caixão do animal são situações cada vez mais comuns. Toda a rotina da pessoa ou do casal é alterada, de modo a incluir o animal em todas as ocasiões. Até mesmo datas comemorativas, como o dia das mães e dos pais, são modificadas para contemplar os “pais e mães de pets”.¹

Também é possível encontrar aqueles que deveriam ser caracterizados por pensarem o todo da vida a partir das Escrituras entrando na onda. Não são os poucos os cristãos que, sem exercitarem o discernimento, referem-se aos seus animais de estimação como sendo seus filhos. Para piorar, quando alguma voz dissonante se levanta, esses cristãos não aproveitam a ocasião para empreenderem uma séria reflexão acerca do assunto e, dessa forma, submeterem-se à vontade de Deus revelada nas Sagradas Escrituras.


Mas, será que a Bíblia chega ao ponto de se incomodar com algo, aparentemente, tão inocente? Afinal de contas, tudo o que essas pessoas querem não é, simplesmente, oferecer amor aos seus bichinhos? O amor, não importa a quem seja destinado, não é algo que agrada a Deus?


Obviamente, em nenhum lugar das Sagradas Escrituras encontraremos uma declaração explícita proibindo que cães e gatos sejam chamados de e tratados como filhos. Não obstante, as Escrituras nos apresentam inúmeros princípios que devem nos orientar nesta questão. De igual modo, doutrinas tão preciosas e tão importantes, como a Trindade e a criação do homem à imagem e semelhança de Deus, têm algo a nos dizer.


O Movimento dos “Pet Parents”


O movimento dos “pais e mães de pets” tem a sua origem associada aos movimentos que lutam pelos direitos dos animais. O Collins English Dictionary, ao apresentar a definição de “pet parent”, faz a seguinte afirmação: “Algumas pessoas preocupadas com os direitos dos animais consideram a expressão pet parent mais aceitável que proprietário”.²


Dana Scott, editora-chefe do site Dogs Naturally Magazine, num artigo intitulado Pet Parents or Owners: What’s In A Name? (Pais ou Donos de Animais de Estimação: O que Há em um Nome?), afirma que a designação “pais de pets” é uma estratégia adotada por ativistas do movimento dos direitos dos animais, “que acreditam em nosso direito de possuir, usar e desfrutar de animais de estimação, mas insistem em padrões e tratamento humanos para todos os animais”.³ De acordo com ela, algumas organizações, como a PETA (People for Ethical Treatment of Animals) e a HSUS (Humane Society of the United States), estão lutando com o objetivo de acabar com a exploração humana dos animais, e para que esse objetivo seja alcançado, é necessário que padrões humanos sejam adotados para guiarem o relacionamento entre as pessoas e seus animais de estimação. A jornalista Torie Bosch, uma crítica desse movimento, afirma que, além dos movimentos de direitos dos animais, companhias de alimentação para animais, como a Blue Buffalo, uma das maiores produtoras de alimentação animal, são as responsáveis por forçarem a ideia de “pais de pets”.⁴ Por exemplo, num dos comerciais da Blue Buffalo, diversas mulheres aparecem se referindo aos seus cães como “meus garotos” e falando do seu relacionamento como “minha família”.⁵ Torie Bosch cita uma pesquisa feita pelo site Rover.com, cujos resultados mostram que 76% dos donos de cães preferem ser chamados de “pais e mães de pets”. Apesar da possibilidade de esse número estar inflacionado, ela tem a convicção de que o mesmo mostra que a sociedade tem sido doutrinada por esse tipo de pensamento.⁶


Outro movimento que tem dado às mãos aos “pais de pets” é o Child-Free-by-Choice ou como é mais popularmente conhecido, Childfree (Livre de Filhos), um movimento que milita contra a maternidade, enxergando-a como inerentemente escravizadora e opressora. De acordo com esse movimento, a maternidade é uma construção socialmente imposta. Diversas artistas de Hollywood são evocadas pelo movimento, como símbolos de mulheres bem sucedidas, justamente porque se recusaram a ter filhos. Uma delas é a famosa atriz Cameron Diaz. É dito que ela representa a todas as mulheres que, por escolha própria, não têm filhos nem desejam tê-los: “Cameron Diaz se tornou uma santa entusiasta das mulheres que escolheram não ter filhos. Mulheres como eu. Mulheres que não têm filhos, não querem ter e não veem o porquê disso ser um problema para outras pessoas quando não é um problema para nós”.⁷ Tamar Anitai, a autora do artigo aqui citado, diz: “A verdade exposta por Cameron Diaz é: Não ter filhos torna as coisas muito mais fáceis”.⁸ 


Um artigo publicado no site Bella Online, afirma existir uma conexão entre o movimento Childfree e o movimento de “pais de pets”. Uma mulher mencionada apenas pelo prenome, Eve, diz que a sua decisão de ter um animal de estimação influenciou decisivamente a sua decisão de não ter filhos. Ela diz o seguinte: “Estou feliz por ter uma cadela antes de ter um filho, pois aprendi rapidamente que não quero perder mais liberdades do que as que já perdi”.⁹  Ela diz mais: “Foi quando eu a trouxe para casa que percebi que existiam algumas coisas que eu tinha de mudar, como estar em casa para cuidar dela e levá-la para brincar. Isso me fez pensar sobre filhos e se, realmente, eu queria muito mais responsabilidade. Logo me senti confortável em ter apenas uma cadela”.¹⁰ É preciso notar a maneira como o raciocínio dessas pessoas funciona. Elas chegam a conclusões a respeito de filhos a partir do seu convívio com animais de estimação. Complicado afirmar se se trata de uma humanização dos animais de estimação ou de uma desumanização dos seres humanos. De qualquer modo, trata-se de uma maneira de pensar pecaminosa.


É possível que uma das principais, senão a principal motivação para essa doutrinação seja o fato de que a indústria de produtos direcionados a animais de estimação movimente bilhões de dólares. Em 2013, por exemplo, a American Pet Products Associates estimou que foram gastos cerca de 55,72 bilhões de dólares com cuidados destinados aos pets. De lá para cá os gastos têm só aumentado, de maneira que, agora, em 2017, estão estimados cerca de 69,36 bilhões. As ações das companhias voltadas para pets são, portanto, acompanhadas de lobby pesado, a fim de continuar gerando lucro. Quanto mais íntimo for o relacionamento entre uma pessoa e o seu animal de estimação, tanto melhor para as empresas do ramo. Um detalhe importante, é que os produtos e serviços ofertados incluem: alimentação, árvores para gatos e até mesmo manicures. De acordo com Bosch: “Os proprietários devem se sentir investindo emocional e financeiramente em seus animais peludos como pais verdadeiros fazem em relação aos seus filhos”.¹¹


Um exemplo claro de como a mentalidade da nossa sociedade mudou drasticamente é o caso da cadela Pepezinha, de propriedade da socialite carioca Vera Loyola. Em 1999, Vera Loyola promoveu uma festa milionária, para comemorar o aniversário da sua cadela. Ao falar sobre o episódio, Vera Loyola afirmou: “Só convidei os filhos (cãezinhos) das amigas mais íntimas. As mães virão acompanhando seus filhos”.¹² A reação da sociedade foi de horror e espanto. A socialite foi acusada, dentre outras coisas, de gastar muito dinheiro com uma festa para cachorro enquanto muitas pessoas passavam fome.¹³ Mas a mesma sociedade que reagiu horrorizada ao episódio, hoje, vê a questão com outros olhos. Um comportamento anteriormente visto como criticável, hoje é visto como benéfico e que deve ser encorajado.


Isso sem falar nas últimas novidades, como quarto decorado na cor rosa, plano de saúde para cães, poodle que não pode ficar sem ar-condicionado e, por essa razão, os donos se sujeitam a pagar uma conta de energia de quase mil e quinhentos reais, carrinho de bebê para cães e gatos, heranças sendo deixadas para animais de estimação¹⁴, e muitas outras coisas.


A Bíblia e o Tratamento Devido aos Animais


É preciso esclarecer, antes de qualquer coisa, que em nenhum momento imaginamos que animais devam ser tratados sem nenhuma consideração, que cuidados devam ser negados ou mesmo que afeto não deva ser dispensado aos nossos bichinhos de estimação. É lamentável que se colocar contra o tratamento de animais de estimação como filhos seja compreendido de forma tão equivocada. Faça qualquer crítica ao que tem sido posto em prática pela nossa sociedade e logo as pessoas entendem que você é contrário à ideia de que animais devem ser amados e cuidados.


Ocorre que tal raciocínio é desonesto, no mínimo equivocado. Quando criticamos a filosofia de “pais de pets” estamos, na verdade, conclamando as pessoas a olharem para as Escrituras e observarem aquilo que a infalível e inspirada Palavra de Deus tem a nos dizer.


Por exemplo, o livro de Provérbios faz um contraste explícito entre o sábio e o insensato, o bom e o mau, o justo e o injusto. E em 12.10 está escrito: “O justo atenta para a vida dos seus animais, mas o coração dos perversos é cruel”. O termo hebraico רַחֲמִים, tem o sentido de “terna misericórdia” ou “sentimento amoroso, compaixão”.¹⁵ A ideia é que o justo, aquele que ama a Deus, que, à luz de Provérbios, busca a sabedoria como o seu bem mais precioso, tem amor pelos seus animais. Ele cuida dos seus animais, dispensa todo o cuidado necessário. O perverso, por sua vez, é cruel (כְזָרִי). Na passagem, essa crueldade significa ausência de qualquer cuidado, de qualquer afeto pelos animais.


Uma passagem em Gênesis requer a nossa atenção. Primeiramente, em Gênesis 1.26, por ocasião da criação do homem, Deus afirmou: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra”. Esta passagem tem sido identificada como o “mandato cultural”. Deus determina que o homem exerça domínio sobre todo o cosmos criado. O homem recebe a autoridade sobre toda a criação como vice-regente de Deus. Tal autoridade não implica em depredação e uso irresponsável dos recursos da criação. Antes, implica em mordomia, cuidado, manutenção e proteção. Em relação aos animais, o homem tem a responsabilidade, diante de Deus, de exercer domínio sobre eles e também de lhes oferecer todo o cuidado necessário. É interessante que, um pouco depois, no capítulo 2, encontramos o homem exercendo tal domínio: “Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da terra todos os animais do campo e todas as aves dos céus, trouxe-os ao homem, para ver como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse a todos os seres viventes, esse seria o nome deles. Deu nome o homem a todos os animais domésticos, às aves dos céus e a todos os animais selváticos” (Gênesis 2.19-20).


As passagens de Gênesis são extremamente importantes, pois elas nos ensinam o princípio criacional da relação entre os seres humanos e os animais, sejam eles domésticos ou selvagens. A relação é de domínio. O homem é vice-regente de Deus e os animais, como parte da criação, estão numa posição de sujeição. Obviamente, como superior, o homem tem obrigações em relação aos animais, e essas obrigações giram em torno do bem-estar dos mesmos. Nem mesmo o pecado anulou essa relação. O homem continua imbuído de autoridade derivada de Deus, para dominar os animais. Ele não deve nem se rebaixar ao nível dos mesmos, nem elevá-los ao seu, como se eles fossem iguais ao homem.


A Doutrina da Trindade


Além do mandato cultural, a doutrina da Trindade nos ajuda a compreender porque a atual postura em relação aos animais de estimação, de considerá-los como filhos, é incompatível com uma profissão de fé cristã. Num primeiro momento, alguém pode estranhar o que a doutrina da Trindade tem a ver com a questão de animais de estimação serem tratados por seres humanos como se fossem filhos, recebendo declarações de amor nos mesmos termos que pais fazem aos seus filhos, que avós fazem aos seus netos, e assim por diante. O que uma doutrina tão complexa e, segundo alguns, tão abstrata quanto a Trindade tem a nos dizer sobre o nosso relacionamento com nossos animais de estimação?


No entanto, precisamos compreender que a doutrina da Trindade tem tudo a ver com a presente discussão. Na verdade, a doutrina da Trindade tem a ver com o todo da vida humana. Longe de ser uma doutrina irrelevante, a Trindade possui aplicabilidade para todas as questões da nossa vida, incluindo a da nossa relação com nossos bichinhos de estimação. Michael Horton faz uma afirmação extraordinária a este respeito: “A Trindade não é meramente mais uma doutrina entre outras; além de ser proclamada na Palavra e nos sacramentos, esse artigo de fé estrutura toda a fé e prática da cristandade: nossa teologia, nossas liturgias, nossos hinos e nossas vidas”.¹⁶ De igual modo, Uri Brito afirma que a Trindade não deve ser considerada “apenas como um dogma sistemático para ser crido, mas também como um modelo para todos os cristãos viverem de acordo com ele nesta cultura”.¹⁷ Ele diz mais: “Como cristãos trinitários, sabemos que a doutrina da Trindade não é uma doutrina irrelevante e obscura, colocada nas teologias sistemáticas para nos confundir. Sabemos que a nossa vida inteira depende do verdadeiro Deus, que é Pai, Filho e Espírito. Nele vivemos e nos movemos e existimos”.¹⁸


A fé cristã ortodoxa é trinitária. Ela confessa um único Deus, mas que subsiste em três pessoas: “Quando pensa em Deus, você sempre deve pensar no Deus Triúno. É essa confissão que nos distingue de todas as seitas e expressões religiosas do lado de fora da tradição apostólica e confessional”.¹⁹ Cremos em Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. Três pessoas. Um único Deus. Há uma tríplice distinção pessoal na Divindade. E tal distinção nos oferece uma compreensão acerca dos relacionamentos mantidos no Ser Divino. Um cuidado necessário que devemos ter é não entender essa distinção pessoal de uma maneira que transmita a ideia de que, originariamente, havia uma única pessoa, no caso, a pessoa do Pai, que deu origem, ainda na eternidade às outras duas pessoas. O Pai é chamado de Pai não porque seja a fonte de onde as outras duas pessoas se originaram. As três pessoas possuem uma única essência divina que é eterna. Portanto, as três pessoas são eternas. Nunca houve um momento em que o Pai não fosse Pai e o Filho não existisse. Como nos ensinam Philip Ryken e Michael LeFebvre:

A Primeira Pessoa é comumente chamada ‘Pai’ porque ela é a iniciadora e fonte do amor celestial. Nos tempos bíblicos, um pai era visto como a fonte de vida numa família (como o iniciador) e também como a fonte de provisão e liderança para sustentar e dar identidade à família. Infelizmente, algumas vezes os cristãos não entendem isso. Alguns cristãos imaginam erroneamente que o nome “Pai” se refere a algum tipo de “biologia interior” da Divindade. Pode haver pistas sobre a conexão interna da Trindade em tais títulos. Mas, ainda que seja este o caso, não é o propósito primário. A Escritura não usa a linguagem Pai/Filho para as duas primeiras Pessoas da Divindade para nos ensinar genética divina. “Pai” é o título preeminente para a Primeira Pessoa primariamente porque nos ensina que ele é a fonte de todos os propósitos da Trindade.²⁰



E a paternidade da Primeira Pessoa deve ser uma das primeiras verdades a ocupar a nossa mente. Pensamos em Deus como o Criador, como aquele que amou o mundo de tal maneira que enviou o seu Filho para salvar pecadores. Porém, como bem observa Michael Reeves: “Antes mesmo de criar, antes mesmo de governar o mundo, antes de tudo mais, esse Deus era o Pai que amava o Filho”.²¹ João 17.24 nos mostra isso claramente: “Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste, para que vejam a minha glória que me conferiste, porque me amaste antes da fundação do mundo”. Antes mesmo da criação de todas as coisas, o Pai e o Filho já desfrutavam de um perfeito relacionamento amoroso.


“Mas, amor é justamente o que eu dou ao meu filho de quatro patas”, pode ser argumentado. Nesse caso, pensar um pouco a respeito da natureza das duas Pessoas, Pai e Filho, nos ajuda a entender melhor a insensatez que é chamar um animal de estimação de “filho” e, realmente, considerá-lo e tratá-lo assim.


Pai e Filho são Pessoas que possuem a mesma essência, a mesma natureza. O Credo Niceno-Constantinopolitano, um dos credos aceitos por todos os ramos da Cristandade afirma a respeito do Filho: “Cremos […] em um Senhor Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus, gerado pelo Pai antes de todos os séculos, Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não feito, de uma só substância com o Pai”.²² O Pai é pai de alguém da mesma natureza, da mesma essência.


Pode ser argumentado ainda que somos recebidos, por adoção, como filhos de Deus, através de Jesus Cristo, nós, que não somos da mesma substância do Pai. Se é assim conosco, porque não pode ser assim em relação aos nossos animais de estimação? Algumas coisas devem ser observadas. Primeiro, as Escrituras ensinam que através da nossa participação nas promessas divinas, tornamo-nos “co-participantes da natureza divina” (2Pedro 1.4). Isso não significa que nos tornamos divinos ou que, literalmente, passamos a participar da essência divina.²³ O teólogo Francis Turretin diz que essa nossa participação na natureza divina é analógica: “É dito que os cristãos são participantes da natureza divina (2Pe 1.4), não univocamente (por uma participação formal da essência divina), mas apenas analogamente (pelo benefício da regeneração […] visto que os cristãos são renovados à imagem do seu Criador”.²⁴


Ao nos criar, Deus nos fez à sua imagem e semelhança. O que quer que isso queira dizer, uma vez que na academia há ampla discussão a respeito, significa que há algo da natureza divina no homem, o que o torna completamente diferente dos animais. O ser humano não é um animal racional. Ele é um ser criado à imagem de Deus. Os animais, sejam selvagens ou domésticos, foram criados cada um segundo a sua espécie. O homem foi formado do pó da terra por Deus, Deus soprou o fôlego de vida em suas narinas e, nesse processo, Deus colocou algo de si mesmo no homem. Nada disso pode ser dito a respeito dos animais. Em sua aclamada obra A Morte da Razão, o teólogo Francis A. Schaeffer nos oferece uma distinção bastante interessante.  Ele nos apresenta o seguinte gráfico²⁶:


De acordo com ele, quando consideramos tão somente a natureza infinita do Deus apresentado nas Sagradas Escrituras, “o homem está tão separado de Deus quanto a máquina”.²⁷ Se o nosso ponto de referência for tão somente o Deus infinito, todas as criaturas se encontrarão igualmente niveladas. A distância qualitativa entre Deus e um animal e entre Deus e o homem é a mesma: infinita. Não obstante, quando consideramos o relato da Escritura a respeito da criação do ser humano, como alguém segundo a imagem e semelhança de Deus, o quadro muda completamente. Schaeffer apresenta um segundo gráfico²⁸:

Há um abismo que separa o Deus infinito de todas as suas criaturas, mas, uma vez que o homem foi criado de modo diferente, também há um abismo entre o homem e todo o restante da criação.


É bem verdade que o pecado arruinou a boa criação de Deus, e a imagem de Deus no homem, nos dizeres de João Calvino, tornou-se uma “horrenda deformidade”.²⁹ Mas a regeneração em Cristo é o início da obra restauradora de Deus no homem. De acordo com Calvino, o propósito da regeneração é “para que Cristo nos remolde à imagem de Deus”.³⁰ Ainda assim, mesmo após a queda, o homem não perdeu a imagem de Deus. Ela foi arruinada, distorcida, violentada, mas ela permaneceu no homem. Mesmo caído, o ser humano é essencialmente distinto dos animais. Sua natureza é diferente. Sua essência é distinta.


Mas, por qual motivo essa distinção torna insensatez tratar nossos animais de estimação como nossos filhos?


É comum, quando pensamos a respeito de Deus, seu Ser, seus atributos e suas obras, nós invertemos os polos e pensarmos a partir de nós mesmos. Tornamo-nos a referência a partir da qual pensamos a respeito do Ser divino. Julgamos a Deus pelos nossos próprios padrões, em vez de sermos julgados por ele. Se temos um pai perverso, que nos negligencia, tendemos a pensar que Deus, o Pai, é igual. Interpretamos mal a paternidade de Deus a partir da nossa experiência pessoal. Passamos a pensar nele como um ser distante. Mas, como já afirmado, trata-se de uma inversão. Devemos pensar a respeito de nós mesmos a partir de Deus, a partir da sua revelação. Devemos julgar a nós mesmos pelo padrão de Deus. Devemos pensar na paternidade humana a partir da paternidade de Deus. Na teologia dizemos que Deus é o Arquétipo, o modelo, o paradigma, o padrão. O ser humano é o éctipo, a cópia, a imitação. Isso significa que se desejamos entender como um Pai deve ser, precisamos olhar para Deus, o Pai. Ainda que nosso pai humano seja alguém distante, negligente e perverso, o nosso Pai celestial está próximo, ele cuida das nossas necessidades e é todo bondade. Ele é o modelo pelo qual todos os pais devem ser julgados. Se desejamos entender como um marido deve ser, precisamos olhara para a maneira como o Senhor Jesus se comporta em relação à sua Igreja (Efésios 5.22-33).


Dessa forma, a paternidade de Deus é o modelo a partir do qual devemos compreender a paternidade humana. Deus é Pai de um Filho da sua mesma natureza, de igual essência. Pai e Filho são Pessoas divinas. São um só Deus. De igual modo, o homem é pai de filhos da sua mesma natureza, de igual essência. Um pai e seu filho são pessoas humanas – com o perdão da tautologia. Compartilham uma mesma humanidade. Por adoção, Deus se torna Pai daqueles que creem em Jesus Cristo, seu Filho Unigênito. Esses são feitos participantes da família de Deus. Tornam-se herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, o primogênito entre muitos irmãos (Romanos 8.29). Da mesma forma, por adoção um homem se torna pai de alguém que não foi gerado por ele, mas que, como uma belíssima ilustração daquilo que o evangelho realiza, é feito participante da sua família, tornando-se seu herdeiro.


Uri Brito faz uma afirmação extraordinária sobre como a Trindade deve estruturar todas as nossas relações:

A Trindade é um padrão para toda a vida. Um esposo ama a sua esposa porque ele vê Cristo amando sua noiva. A esposa encoraja seu marido porque ela vê o Espírito encorajando o povo de Deus. Pais amam seus filhos porque o Pai amou o seu Filho. Nós nos sacrificamos e nos doamos uns aos outros porque Jesus sacrificou a si mesmo por nós. A Trindade é a fonte de todos os relacionamentos cristãos apropriados.³¹



Nossa relação com um cãozinho ou com um gato, por melhor que seja, nunca poderá servir como a representação de como as Pessoas da Trindade se relacionam entre si e de como elas se relacionam conosco.


Considerações Finais.


Ser pai e ser mãe é algo que possui um fim, um objetivo em vista muito bem definido pelas Escrituras. Nossos filhos são “herança do SENHOR” (Salmo 127.3). Geramos, adotamos e criamos filhos para o Senhor, para que a terra seja povoada com pessoas portadoras da sua imagem e renovadas pelo sangue de Jesus Cristo. Criamos filhos para que eles cresçam, tornem-se independentes e, assim, tenham suas próprias famílias, para que por meio delas, o nome do Senhor Deus continue a ser glorificado. Educamos nossos filhos e os preparamos para viver, servir ao Senhor como vice-regentes da criação e prosperar no mundo sem a nossa constante orientação de pai e mãe.


Que os cristãos parem com a tolice de se intitularem “pais” e “mães de pets”. Que eles sejam fiéis a Deus, sendo extremamente cuidadosos e amorosos com os animais que Deus faz chegar aos seus lares, mas que façam isso como vice-regentes de Deus, como pessoas que receberam o cuidado de cuidar e guardar a criação, não como pais e mães de animais de estimação.


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Notas:

[2] Collins English Dictionary. Disponível em: https://www.collinsdictionary.com/dictionary/english/pet-parent.

[6] Torie Bosch. I Am Not a Pet Parent.

[8] Ibid.
[9] Disponível aqui: http://www.bellaonline.com/articles/art10311.asp
[10] Ibid.
[11] Torie Bosch. I Am Not a Pet Parent.
[12] Disponível aqui: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1910199931.htm.
[13] Disponível aqui: http://entretenimento.r7.com/programa-do-gugu/videos/vera-loyola-abre-jogo-sobre-polemica-da-festa-milionaria-de-sua-cadela-17112016.
[14] Disponível aqui: https://www.thenotmom.com/single-post/2017/08/28/Childless-Wealthy-And-Really-Good-Pet-Parents.
[15] Holladay Lexicon in BibleWorks 10.
[16] Michael Horton. Doutrinas da Fé Cristã: Uma Teologia Sistemática para os Peregrinos no Caminho. São Paulo: Cultura Cristã, 2016. p. 288.
[17] Uri Brito. The Trinitarian Father. Nacogdoches, TX: Covenant Media Press, 2013. p. x.
[18] Ibid. p. 4. Ênfase acrescentada.
[19] Ibid. p. 3.
[20] Philip Ryken e Michael LeFebvre. Our Triune God: Living in the Love of the Three-in-One. Wheaton, IL: Crossway, 2011. p. 72.
[21] Michael Reeves. Deleitando-se na Trindade: Uma Introdução à Fé Cristã. Brasília, DF: Monergismo, 2014. p. 27.
[22] H. Bettenson. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: ASTE, 2001. p. 63.
[23] Três termos são importantes para se compreender o que está sendo dito: unívoco, analógico e equívoco. Os três termos representam maneiras distintas de como se concebe, por exemplo, a relação daquilo que conhecemos com o conhecimento de Deus, e como Deus comunicou certos atributos ao homem por ocasião da criação. Unívoco faz referência a uma correspondência plena, exata entre o nosso conhecimento e o conhecimento de Deus, entre os atributos divinos e como eles existem em nós. Equívoco faz referência a uma ruptura completa, a uma assimetria absoluta. É como se não houvesse qualquer relação entre o conhecimento e os atributos de Deus e o ser humano. Já analógico faz referência a uma diferença qualitativa entre Deus e o homem, porém, com alguma similaridade, alguma correspondência. Assim, há uma analogia entre a maneira como Deus conhece as coisas e como nós conhecemos. Há uma analogia entre os atributos de Deus e aqueles que ele nos comunicou. Por exemplo, Deus concedeu conhecimento ao homem. Entretanto, em Deus esse conhecimento é infinito, sem limites. Daí dizer-se que Deus é onisciente. Michael Horton afirma: “Nosso conhecimento é parcial, éctipo, composto e aprendido, mas o de Deus é arquétipo, simples e nato”. Cf. Michael Horton. Doutrinas da Fé Cristã: Uma Teologia Sistemática para os Peregrinos no Caminho. São Paulo: Cultura Cristã, 2016. p. 273.
[24] Francis Turretin. Institutes of Elenctic Theology. Vol. 1. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing, 1992. p. 190.
[25] Aqui expresso o meu débito para com a educadora cristã Ivonete Silva Porto, que chamou a minha atenção para a contribuição de Schaeffer neste ponto.
[26] Francis A. Schaeffer. A Morte da Razão: A Desintegração da Vida e da Cultur Moderna. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p. 37.
[27] Ibid.
[28] Ibid. p. 38.
[29] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã. 1.15.4. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. p. 184.
[30] Ibid.
[31] Uri Brito. The Trinitarian Father. p. 6.

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Autor: Rev. Alan Rennê Alexandrino Lima
Divulgação: Bereianos

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Esse artigo foi republicado com a permissão de Blog Bereianos

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