O que vem à sua mente ao ouvir a palavra “contemplação”? Talvez imagens de pinturas medievais que mostram pessoas em uma atitude passiva, talvez um santo ou personagem bíblico. Quem sabe você pensa em gurus que se isolam do mundo e passam a vida refletindo e orando. Na verdade, a palavra “contemplação” significa prestar atenção, olhar com admiração, concentrar-se em algo, geralmente ligado ao sentido da visão.
Devido aos exageros que alguns ramos do cristianismo promoveram, a ideia de contemplação deixou de fazer parte da prática devocional da maioria dos evangélicos. De muitas maneiras somos frutos de um período de grande racionalidade. Assim, práticas como contemplação caíram em desuso e até mesmo em suspeita entre evangélicos conservadores.
A Bíblia, no entanto, nos incentiva a praticar a contemplação. O efeito da contemplação em geral é uma sensação de quebrantamento, reconhecendo nosso pecado. Um excelente exemplo é a visão descrita por Isaías (6.1-8):
No ano em que o rei Uzias morreu, eu vi o Senhor assentado num trono alto e exaltado, e a aba de sua veste enchia o templo. Acima dele estavam serafins; cada um deles tinha seis asas: com duas cobriam o rosto, com duas cobriam os pés e com duas voavam. E proclamavam uns aos outros: ‘Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos, a terra inteira está cheia da sua glória’. Ao som das suas vozes os batentes das portas tremeram, e o templo ficou cheio de fumaça. Então gritei: Ai de mim! Estou perdido! Pois sou um homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros; os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos! Logo um dos serafins voou até mim trazendo uma brasa viva, que havia tirado do altar com uma tenaz. Com ela tocou a minha boca e disse: ‘Veja, isto tocou os seus lábios; por isso, a sua culpa será removida, e o seu pecado será perdoado’. Então ouvi a voz do Senhor, conclamando: ‘Quem enviarei? Quem irá por nós?’ E eu respondi: Eis-me aqui. Envia-me!”
Nesta passagem vemos com clareza os passos desta contemplação:
- Encontro. Em primeiro lugar, Isaías, apesar de já conhecer a Deus, tem um novo encontro com ele – o qual o faz compreender mais sobre Deus.
- Adoração. Diante desta visão, a reação foi de adoração e reconhecimento de sua insuficiência.
- Novo entendimento. A visão progride quando o anjo lhe traz uma nova compreensão na forma do perdão.
- Chamado. A experiência termina com um chamado ou convite para envolver-se no que Deus está fazendo.
Uma experiência assim certamente é transformadora para quem passa por ela. A contemplação é um exercício devocional que busca seguir os mesmos passos. Não podemos determinar que Deus se manifeste para nós de uma forma tão espantosa, mas Deus deseja se dar a conhecer; afinal, fomos criados para comunhão com ele. Contudo, ao se revelar em sua Palavra, ele nos dá acesso a uma crescente caminhada de encontro, adoração, novo entendimento e chamado.
A contemplação para o cristão trata-se muito mais do que ouvir e meditar na Palavra. Repare que, embora o estudo seja a base deste contemplar, não é sua única função. Precisamos entrar em adoração e buscar um entendimento novo e mais amplo daquilo que a Palavra tem a nos dizer. Na verdade, enquanto a Palavra não nos levar a uma admiração maior, a um quebrantamento mais radical e a um compromisso renovado, não tivemos um encontro realmente transformador com nosso Senhor. Um outro excelente exemplo de contemplação é o que vemos em Lucas 10.38-42:
“Caminhando Jesus e os seus discípulos, chegaram a um povoado onde certa mulher chamada Marta o recebeu em sua casa. Maria, sua irmã, ficou sentada aos pés do Senhor, ouvindo a sua palavra. Marta, porém, estava ocupada com muito serviço. E, aproximando-se dele, perguntou: ‘Senhor, não te importas que minha irmã tenha me deixado sozinha com o serviço? Dize-lhe que me ajude!’ Respondeu o Senhor: ‘Marta! Marta! Você está preocupada e inquieta com muitas coisas; todavia apenas uma é necessária. Maria escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada’.”
Aqui vemos Maria aproveitando o que Jesus mesmo chamava de “boa parte”. A palavra do Mestre para Marta é que ela está distraída e inquieta com muitas coisas, mas que só uma importa. A “boa parte” é justamente ficar atenta ouvindo a palavra de Jesus. Maria estava – nesse sentido – contemplando, ouvindo e acolhendo as palavras do Mestre.
Minha oração é que você e eu possamos reservar um tempo para a “boa parte” e assim crescer em contemplar ou considerar as Palavras de nosso Senhor de forma que sejamos transformados pelo poder do Espírito Santo.
Daniel Lima foi pastor de igreja local por mais de 25 anos. Formado em psicologia, mestre em educação cristã e doutor em formação de líderes no Fuller Theological Seminary, EUA. Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida por 5 anos, é autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem 4 filhos, uma neta e vive no Rio Grande do Sul desde 1995.