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Cristãos desigrejados

Chamada

Todos conhecemos pessoas amadas que, por diversas razões, abandonaram suas igrejas. Alguns o fizeram por optar por um padrão de vida de franca desobediência ao Senhor – envolveram-se em relacionamentos imorais, assumiram padrões de vida abertamente contrários às Escrituras, afirmam ter perdido a fé (se é que um dia a tiveram), enfim, não se identificam mais como cristãos. Há um outro grupo de pessoas que ainda se identificam como cristãs e talvez não tenham assumido um padrão de vida abertamente anticristão, mas a vida comunitária não tem espaço em suas vidas. O estudioso Rodolfo Capler escreve:

Conhecidos popularmente no seio do evangelicalismo brasileiro como desigrejados, esse contingente de fiéis não para de crescer, chegando hoje – segundo alguns estudiosos do fenômeno –, à marca de mais de 16 milhões de pessoas, o que os elegeria (se fossem uma denominação), como o segundo maior grupo confessional do país, ficando apenas atrás das Assembleias de Deus.

Há um enorme exército (16 milhões?) de desigrejados. Essas são pessoas que romperam qualquer vínculo de alinhamento, submissão, unidade ou pertencimento a uma comunidade cristã organizada. As razões para que se abandone a vida de igreja são as mais variadas. Alguns sofreram abusos emocionais e foram enganados por líderes eclesiásticos. Dessa forma, tornaram-se céticos quanto a qualquer igreja. Outros tem seus nomes em algum rol de membros, mas vivem totalmente à parte da vida comunitária. Especialmente em mega igrejas que exercem pouco ou nenhum cuidado pastoral intencional sobre seus membros, há centenas de pessoas que se filiaram de alguma forma, mas com o tempo se afastaram e cujo afastamento não foi nem sequer detectado. Mas há ainda um outro grupo que cresceu especialmente devido às mudanças de relacionamento impostas pela pandemia. Esses são os cristãos “virtuais”.

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Cristãos virtuais são consumidores da “fé”, ou, mais propriamente, das sensações da fé. Eles buscam sensações ou experiências que deem sentido ao que creem, mas sem vínculos ou sem pertencimento. Eles querem curtir sem investir. Assistem cultos e palestras pela internet, selecionam aquilo que mais lhes interessa. Eventualmente podem participar de algum evento cristão, mas em geral avaliam os pregadores e o momento de louvor a partir das performances que têm assistido pela internet. 

Cristãos virtuais são consumidores da “fé”, ou, mais propriamente, das sensações da fé. Eles buscam sensações ou experiências que deem sentido ao que creem, mas sem vínculos ou sem pertencimento.

Com frequência, esses desigrejados se dividem entre cínicos e fantasiosos. Os cínicos ficam em um eterno curto-circuito de frustração e dúvida. Podem até ser tocados por alguma palavra, mas algo dentro deles sempre questiona ou põe em dúvida se o que estão ouvindo é real, se o testemunho realmente foi assim e se esse líder tão inspirador não está apenas manipulando. Assim, ficam do lado de fora, ansiando por algo mais e criticando o que veem.

Quando penso neles, lembro-me da passagem de Hebreus 10.24-25:

“Cuidemos também de nos animar uns aos outros no amor e na prática de boas obras. Não deixemos de nos congregar, como é costume de alguns. Pelo contrário, façamos admoestações, ainda mais agora que vocês veem que o Dia se aproxima.”

A participação virtual pode dar a ilusão de que você está envolvido e as performances são realmente excelentes, mas a Palavra nos desafia a nos envolvermos, a nos estimularmos e especialmente a não nos isolarmos. Vida em Cristo é necessariamente uma vida comunitária.

“Não deixemos de nos congregar, como é costume de alguns. Pelo contrário, façamos admoestações, ainda mais agora que vocês veem que o Dia se aproxima.” (Hb 10.25)

Além dos cínicos, há os fantasiosos que acreditam sinceramente que, se eles estivessem na cidade das igrejas que seguem pela internet, eles se envolveriam. “Se existisse uma igreja assim aqui na minha cidade eu me envolveria…”, dizem. Isso é uma ilusão. Ficam imaginando como seria interessante, estimulante e compensador se envolver em uma igreja assim, com um pregador assim, com um louvor dessa forma… Não se dão conta de que aquilo que estão assistindo é apenas um programa, o qual, embora reflita a realidade, certamente não expressa tudo o que ocorre naquela comunidade. Igreja com programas impressionantes também têm membros mesquinhos, líderes que machucam e condições que frustram. 

Quando penso nestes eu me lembro de outra passagem. Paulo escreveu aos Efésios no capítulo 4, versos 1-3:

Por isso eu, o prisioneiro no Senhor, peço que vocês vivam de maneira digna da vocação a que foram chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando uns aos outros em amor, fazendo tudo para preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz.

O texto está se referindo tanto à igreja local (suportando uns aos outros) quanto à igreja universal, como Paulo fala logo a seguir. O fato é que somos chamados a nos suportarmos em amor movidos por humildade e mansidão.

Caso você esteja frustrado com sua igreja (sempre há razões para isso), eu peço que você considere as seguintes sugestões:

  1. Não compare. O pregador, o culto e programas transmitidos online podem ser encantadores, mas a realidade, mesmo nessas igrejas, é bem mais complexa.
  2. Valorize seus líderes. Talvez ele não pregue tão bem, talvez o louvor não seja tudo o que poderia ser, mas, de forma geral, aqueles que estão ministrando estão dando seu melhor, estão se dedicando para servir sua comunidade.
  3. Envolva-se. De modo geral, no momento em que você se envolve com qualquer nível de ministério, a realidade, as dificuldades, as horas de dedicação e mesmo a tensão espiritual demandam muito de quem ministra.
  4. Aproveite. O senhor de sua igreja tem cuidado e amado essa comunidade. Ele não está dormindo ou tem se esquecido de sua igreja. Aceite e aproveite as bençãos que ele tem dado a vocês.

Minha oração é que cada um de nós possa ser encorajado pelas palavras de Paulo em Efésios 4.4-6:

“Há somente um corpo e um só Espírito, como também é uma só a esperança para a qual vocês foram chamados. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos.”

Nota

  1. Rodolfo Capler, “Por que milhões de evangélicos estão abandonando suas igrejas”, Veja, 12 mai. 2022. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/por-que-milhoes-de-evangelicos-estao-abandonando-suas-igrejas/.

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Daniel Lima foi pastor de igreja local por mais de 25 anos. Formado em psicologia, mestre em educação cristã e doutor em formação de líderes no Fuller Theological Seminary, EUA. Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida por 5 anos, é autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem 4 filhos, uma neta e vive no Rio Grande do Sul desde 1995.

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