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Como reagir a tragédias

Chamada

A esposa descobre que seu marido mantém uma outra família na cidade para a qual viaja com frequência, alegando compromissos de trabalho. O pai fica aterrado ao descobrir que seu filho vem usando drogas e que tem até mesmo uma dívida significativa com traficantes. O jovem casal descobre “por acaso” que seu filho de quatro anos tem um tumor e começam a longa jornada de testes e procedimentos na tentativa de buscar a cura. O marido, após anos lutando pela restauração do seu casamento e tendo, na sua perspectiva, atingido relativa estabilidade no relacionamento, descobre que sua esposa o vem traindo com um irmão da igreja e parceiro de negócios.

Os exemplos acima, apesar de dramáticos, são tristemente comuns. Assisti pessoalmente alguma versão de cada um desses casos, mesmo em casais que se identificam como cristãos. É impossível equacionar a dor, a confusão, a decepção e mesmo revolta em cada uma dessas situações. Com frequência surgem perguntas como: “Onde está Deus nessas horas?”, ou: “O que foi que eu fiz para merecer isso?”, ou ainda: “Porque coisas ruins acontecem com gente boa?”. Nas histórias acima, a maioria dos cristãos conseguiu seguir com sua vida mantendo sua fé, mas as marcas que ficaram foram profundas, em alguns casos deixando um rastro de dores e pecados trágicos.

A pergunta de por que Deus permite o mal já foi discutida em vários contextos. Para nosso objetivo aqui, basta afirmar que o mal é consequência do pecado. Quando Deus afirmou que, tomando do fruto, morreríamos, não era uma promessa vazia (Gênesis 2.16-17). A mentira da serpente levou nossos pais, Adão e Eva, a desobedecerem, e desde então estamos morrendo como humanidade (Gênesis 3). Os efeitos dessa morte se veem em cada um dos relatos do primeiro parágrafo. Meu propósito aqui é tentar responder à pergunta: como reagir quando a vida nos surpreende? Como reagir diante de um diagnóstico positivo, ou a uma intimação policial, ou mesmo a uma ruptura relacional? Como reagimos quando nossa vida desaba?

Várias passagens me vêm à mente quando tento responder essa pergunta. A primeira é Salmos 23.4, quando Davi descreve o andar “pelo vale da sombra da morte”. Mas eu gostaria de hoje usar a passagem de Isaías 26.3-4. A passagem está no contexto do reino divino a ser estabelecido após o Dia do Senhor (Isaías 24). No entanto, podemos observar um princípio divino quanto à sua paz. O texto afirma: 

“Tu, Senhor, guardarás em perfeita paz aquele cujo propósito está firme, porque em ti confia. Confiem para sempre no Senhor, pois o Senhor, somente o Senhor, é a Rocha eterna.”

A paz é prometida não de forma indistinta, mas é condicionada a dois elementos fundamentais: (1) àqueles cujo “propósito está firme” e (2) aos que confiam no Senhor (v. 4). O princípio do propósito firme é atestado em várias outras passagens; de modo especial no relato de Pedro caminhando sobre as águas. Mateus 14.28-30 registra:

“Então Pedro disse: ‘Se é o Senhor mesmo, mande que eu vá até aí, andando sobre as águas.’ Jesus disse: ‘Venha!’ E Pedro, descendo do barco, andou sobre as águas e foi até Jesus. Reparando, porém, na força do vento, teve medo; e, começando a afundar, gritou: ‘Salve-me, Senhor!’”

A paz é fruto de concentrarmos nossa atenção em Cristo e não nas circunstâncias.

No conhecido relato, Pedro tomou um passo de fé que nenhum dos demais discípulos tomou. De certa forma ele fez o mais difícil, em parte devido ao seu temperamento impulsivo. Notem, no entanto, que ele começou a afundar quando reparou “na força do vento” (v. 30). Aparentemente, até aquele momento ele estava olhando para Jesus, este era sua atenção e seu foco. Mas algo o fez tirar seu foco ou propósito de Cristo e reparar no perigo ao seu redor. O autor de Hebreus expressa a mesma ideia ao afirmar: “Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, livremo-nos de todo peso e do pecado que tão firmemente se apega a nós e corramos com perseverança a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus…” (Hebreus 12.1-2). A paz é fruto de concentrarmos nossa atenção em Cristo e não nas circunstâncias; estas, de fato, podem roubar nossa paz.

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A exortação é para confiarmos sempre, tanto nos pastos verdejantes e águas tranquilas como no vale da sombra da morte.

O segundo princípio é a base do primeiro: confiar no Senhor. Nosso propósito só pode estar firme se confiarmos em Deus. No verso 4 de Isaías 26 há três instruções do Senhor com respeito à confiança. Vamos observá-las: (1) confiem “para sempre” no Senhor. O sentido de “para sempre” reflete o desafio de confiar mesmo quando as coisas não fazem sentido, quando nossos planos caem por terra ou quando somos surpreendidos de um modo tanto inesperado como, aos nossos olhos, injusto. A exortação é para confiarmos sempre, tanto nos pastos verdejantes e águas tranquilas como no vale da sombra da morte. (2) Confiem “somente [n]o Senhor”. Nós fomos criados para adorar. Nossa busca desde o nascimento é por sistemas ou estratégias que nos permitam controlar o mundo ao nosso redor. Buscamos constantemente algo em que confiar para nos protegermos. A exortação de Deus é que somente nele encontraremos a paz. Jesus “e mais alguma coisa” significa que nosso propósito não está firme e consequentemente não encontraremos a paz que ele nos promete. Por fim, (3) o Senhor é “a Rocha eterna”. Não apenas uma rocha, que já é símbolo de permanência e durabilidade, mas uma rocha que dura para sempre. O texto aqui afirma algo sobre o próprio caráter de Deus. Ele é o mesmo ontem, hoje e sempre. 

Minha oração é que Deus, em sua misericórdia, nos conduza em períodos de verdadeira paz. Mas eu preciso me lembrar que a verdadeira paz é o próprio Jesus. Que nesses tempos de sustos e surpresas, nossos olhos estejam bem fixos no autor e consumador de nossa fé.

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Daniel Lima foi pastor de igreja local por mais de 25 anos. Formado em psicologia, mestre em educação cristã e doutor em formação de líderes no Fuller Theological Seminary, EUA. Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida por 5 anos, é autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem 4 filhos, uma neta e vive no Rio Grande do Sul desde 1995.

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