A história humana está repleta de relatos de homens que abusam de mulheres. Abusam emocionalmente, sexualmente, de muitas maneiras. Uma realidade presente em praticamente todo conflito armado é que os soldados vencedores abusam das mulheres do povo ou facção derrotada. Esse fato é relatado em praticamente todo conflito que se tem registro, sejam os vencedores de uma ou outra linha política. Essa triste verdade, efeito da queda, deveria gerar em nós repulsa e uma santa indignação, mas não deveria nos surpreender.
Semana passada fomos surpreendidos por comentários chocantes de um político brasileiro que, ao visitar uma região em guerra, fez comentários machistas e no mínimo predatórios com relação a mulheres. Em uma recente visita à Ucrânia, o deputado estadual de São Paulo, Arthur do Val, enviou a um grupo de amigos uma série de áudios em que afirma que as mulheres ucranianas em uma fila de assistência a refugiados eram “fáceis porque eram pobres”. Em vários comentários ele dá dicas para turismo sexual e afirma que assim que terminar essa guerra ele vai voltar à região.
A história humana está repleta de relatos de homens que abusam de mulheres. Essa triste verdade, efeito da queda, deveria gerar em nós repulsa e uma santa indignação, mas não deveria nos surpreender.
Ele tem sido atacado por todos os lados e espera-se que sofra sanções, até mesmo a perda de seu mandato. No entanto, creio que esse indivíduo, apesar de sua postura deplorável, não é um caso isolado na nação. Nosso país é conhecido por uma cultura extremamente sensualizada, seja em suas músicas, filmes, propagandas e festas. A realidade de que o Brasil está no roteiro internacional de turismo sexual é conhecida, embora gere poucas ações concretas para coibir esse fato. Portanto, os comentários terríveis do deputado não são a exceção em nosso país, nem tampouco representam uma ou outra posição política.
Tendo lido os comentários, as acusações das quais foi alvo e mesmo sua resposta e defesa, eu continuo chocado. Esse indivíduo nunca se declarou cristão e portanto é desprovido da ministração do Espírito Santo de Deus (Efésios 1.13-14). Gostaria de comentar a defesa que ele apresentou, não para destruir a reputação do indivíduo que a protagonizou, mas para destacar valores distorcidos em nossa sociedade e indicar princípios que deveriam nortear nossa caminhada com Jesus.
Destaquei quatro frases da defesa do deputado. A primeira foi: “Aquele foi meu lado moleque”. Repare que ele admitiu que o que havia dito fora errado, mas que se sente acusado injustamente, pois a frase não representa quem ele é, foi seu “lado moleque”. Eu acredito que as frases são um reflexo do seu “lado moleque”, mas fico espantado como pessoas podem justificar que algum aspecto de sua personalidade não seja de sua responsabilidade. Todos nós já nos surpreendemos com reações que desconhecíamos dentro de nós mesmos. O apóstolo Paulo descreve essa realidade em sua própria vida. Em Romanos 7.21-23 ele escreve:
Assim, encontro esta lei: quando quero fazer o bem, o mal reside em mim. Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus. Mas vejo nos meus membros outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros.
O segundo destaque que faço é quando ele, ao se defender, diz que “fiz o que muitos homens fazem”. Uma vez mais tenho de concordar com ele. Muitos homens fazem isso e até pior. Ele demonstra, no entanto, que não tem um padrão pessoal, mas se avalia pelo que muitos fazem. O cristão é chamado para expressar uma justiça muito acima da “maioria”. Jesus fala sobre isso em Mateus 5.20: “Porque eu afirmo que, se a justiça de vocês não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrarão no Reino dos Céus”. Desculpar-se de um erro porque este é praticado por muitos outros é uma ideia tentadora, mas ineficaz. Um erro é um erro mesmo que todos o façam e o certo é certo mesmo que ninguém o faça.
O terceiro destaque que quero fazer da defesa desse indivíduo é quando ele manifesta tristeza, não pelo que fez, mas “por vocês terem ouvido isso”. Uma diferença crucial entre o remorso e o arrependimento é que o remorso traz tristeza pela revelação do erro, mas o arrependimento traz tristeza pelo erro em si. O que no fundo o deputado está dizendo é que, se ninguém tivesse ouvido, tudo estaria bem. Compare a frase acima com o arrependimento expresso por Davi ao ser confrontado pelo adultério com Bate-Seba e o assassinato de Urias. No Salmo 51.4 lemos: “Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mau aos teus olhos, de maneira que serás tido por justo no teu falar e puro no teu julgar”. Davi demonstrou sua tristeza por seu erro e não apenas por ser descoberto, e afirmou com convicção que Deus é justo em condená-lo.
Desculpar-se de um erro porque este é praticado por muitos outros é uma ideia tentadora, mas ineficaz. Um erro é um erro mesmo que todos o façam e o certo é certo mesmo que ninguém o faça.
Por fim, a quarta frase que destaco é o pedido de que se separe suas palavras de suas ações. Ele parece acreditar que suas ações humanitárias lhe dão um valor que nos permita ignorar ou “deixar pra lá” suas palavras. Jesus declarou em Mateus 12.34: “Raça de víboras! Como vocês podem falar coisas boas, sendo maus? Porque a boca fala do que está cheio o coração”. Apesar de dolorida, a verdade é que o que falamos expressa nosso coração. O deputado, ao fazer este tipo de brincadeira, estava realmente expressando seu coração.
Como afirmei acima, não quero destruir a reputação desse indivíduo. Ele certamente enfrentará consequências políticas e, eventualmente, a justiça de nosso Deus. Caso venha a se converter, esse pecado também terá sido pago por Jesus na cruz. Caso não se renda, é mais uma condenação que cai sobre ele. Pergunto-me quais argumentos usamos quando nos defendemos. E oro por mim e por você, para que nossa reação diante de um pecado seja como a de Davi.
Daniel Lima foi pastor de igreja local por mais de 25 anos. Formado em psicologia, mestre em educação cristã e doutor em formação de líderes no Fuller Theological Seminary, EUA. Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida por 5 anos, é autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem 4 filhos, uma neta e vive no Rio Grande do Sul desde 1995.