Sempre me impressiona a tendência humana de oscilar entre extremos. Parece que tendo tentado um extremo, afirmamos que a resposta está no extremo oposto. Isso é verdade na moda (roupas apertadas, roupas folgadas), em estilos de automóveis, em ideologias políticas, em educação e, tristemente, também em perspectivas cristãs sobre a vida. É inegável que grande parte da igreja evangélica brasileira passou por um forte legalismo, com regras rígidas sobre quase tudo. Instituições sérias se preocupavam com centímetros de comprimento de saias de jovens ou se o cabelo dos rapazes tocava o colarinho.
No entanto, com o tempo, relativizamos tudo. Ou seja, nada disso parece importar. Roupas inadequadas são aceitas e estilos pessoais deixaram de significar qualquer coisa. Muito embora eu fique feliz com o final de uma longa lista de regras rígidas, preocupo-me com uma ausência de critérios vigente. Como encarar essa oscilação? Seguimos ridicularizando os esforços (reconhecidamente simplistas) de nossos antepassados? Ou inventamos uma nova lista de regras? E se esse for o caso, a partir de qual critério?
Em meus estudos sobre o evangelho, um dos conceitos fundamentais tem sido compreender a graça e a santidade de Deus. Esse conceito às vezes é apresentado como a graça e a verdade (vide João 1.14). Essa dupla realidade tem levado muitos cristãos a um dualismo falso. Alguns, encantados com a graça de Deus, perdem de vista sua santidade. Com isso, qualquer repreensão, restrição ou mesmo menção ao pecado é enfrentada com dúvida, questionamento e, muitas vezes, com absoluta negação. Um dos grandes dramas dessa postura é que se não há santidade, não é necessária a graça. Se o pecado não fosse algo que ofende a Deus, Jesus não precisaria pagar por ele, e, portanto, não precisaria morrer. Aqueles que adotam esse desvio acabam afirmando que Jesus veio como um bom exemplo de como deveríamos viver. Sua morte foi algo quase acidental, ou então apenas um exemplo de amor.
A negação da santidade de Deus significa negar praticamente todos os relatos bíblicos, o sistema sacrificial do Antigo Testamento e mesmo qualquer ideia da ira de Deus.
A negação da santidade de Deus significa negar praticamente todos os relatos bíblicos, o sistema sacrificial do Antigo Testamento e mesmo qualquer ideia da ira de Deus. Essa linha de pensamento acaba esfriando o próprio valor da graça e de uma relação com Deus. Ele se torna pouco mais do que um “bonachão celestial”, sem critérios, sem padrões. No entanto, é justamente o apóstolo do amor, João, que escreve em seu evangelho, no capítulo 3, verso 36: “Quem crê no Filho tem a vida eterna; já quem rejeita o Filho não verá a vida, mas a ira de Deus permanece sobre ele”. Exaltar a graça de Deus esquecendo-se de sua santidade é tão errado quanto esquecer-se de sua graça.
Esse é justamente o segundo desvio. Muitos, tendo compreendido a santidade de Deus, exaltam-na, esquecendo ou diminuindo sua graça. Ao adotarem essa linha, essas pessoas mostram enorme preocupação com padrões morais, vestimentas, comportamentos, palavras e qualquer outra coisa que possa mostrar um alinhamento com Deus. Embora muito louvável, essa linha gera tanto hipocrisia quanto culpa. Isso se dá pois, na realidade, ninguém atinge o padrão de santidade de Deus (Romanos 3.23). É justamente devido à sua santidade que a graça se faz tão necessária. Paulo expressa essa verdade de forma muito clara na passagem de Romanos 5.20-21:
“A Lei foi introduzida para que a transgressão fosse ressaltada. Mas onde aumentou o pecado transbordou a graça, a fim de que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reine pela justiça para conceder vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor.”
Na realidade, ninguém atinge o padrão de santidade de Deus (Romanos 3.23). É justamente devido à sua santidade que a graça se faz tão necessária.
Nessa passagem, percebe-se com clareza o pecado e a graça, a santidade de Deus e seu amor por nós. Na verdade, o evangelho não aponta para um equilíbrio, mas para uma terceira via. Não é uma questão de se afirmar mais um do que outro, muito menos de se limitar seja a graça, seja a santidade. Precisamos proclamar sua graça, por meio da qual somos salvos, e precisamos proclamar sua santidade, que é a razão de precisarmos ser salvos.
Minha oração é que tanto eu quanto você, meu irmão, minha irmã, evitemos tanto o erro do moralista como do relativista. Oro para que a beleza do evangelho seja plenamente compreendida e demonstrada em nossas vidas e em nossas palavras.
Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por 5 anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem 4 filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 24º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.