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Confessionalidade madura também se expressa através de submissão e coerência – Bereianos

Bereianos

Recentemente vi um vídeo do trecho de uma palestra a respeito de como viver uma confessionalidade madura. Esse tipo de discussão é deveras importante, uma vez que há alguns anos o assunto da confessionalidade era quase que completamente ignorado em nosso meio. Aliado a isso está o fato de que há muitos jovens que, nas redes sociais, discorrem sobre o assunto de modo beligerante e sem qualquer caridade pelas pessoas que pensam de modo distinto.


A minha questão aqui gira em torno de algumas afirmações feitas na palestra, que, possivelmente até de modo inadvertido, esvaziem a autoridade das confissões reformadas de modo geral e, especificamente, dos Padrões de Westminster, símbolos de fé da Igreja Presbiteriana do Brasil, aos quais nós, ministros presbiterianos, juramos submissão.

Em primeiro lugar, é verdade que há muitos que, no afã de defender as confissões acabam por se expressar de modo descuidado, dando a impressão de que a Confissão de Fé de Westminster, por exemplo, é a sua regra de fé e de prática. Concordo que isso deve ser evitado, pois apenas a Sagrada Escritura é a nossa regra infalível de fé e de prática. Não obstante, também é preciso compreender que uma confessionalidade madura terá o devido cuidado em reconhecer o papel autoritativo das confissões. A doutrina do Sola Scriptura não postula que a Bíblia é a nossa única autoridade. Ela não ensina que apenas a Bíblia possui autoridade sobre nossas igrejas. Como protestantes reformados, não negamos que existam outras autoridades. A grande questão gira em torno do lugar ocupado pelas demais autoridades (credos ecumênicos, confissões reformadas, opiniões particulares de teólogos etc.). O que a doutrina do Sola Scriptura afirma é que a Sagrada Escritura é a nossa única autoridade inspirada, inerrante e infalível. Obviamente, isso a coloca acima de tudo o mais. Contudo, isso também deixa claro que possuímos outras autoridades ou, para usar o vocabulário teológico, normas. É verdade que são normas normatizadas pela Bíblia. Não obstante, ainda são normas e, como tais, possuem autoridade sobre nós.


Em segundo lugar, ao mesmo tempo em que uma confessionalidade madura terá o devido lugar de reconhecer a primazia da Escritura, bem como a autoridade derivada de credos e confissões, ela também terá o devido cuidado em não colocar no mesmo patamar escritos de teólogos particulares e os credos e confissões. Um dos argumentos apresentados na palestra girou em torno de uma afirmação da Segunda Confissão Helvética, escrita por Heinrich Bullinger, em 1562. No capítulo II a respeito da interpretação da Sagrada Escritura, a confissão afirma:

Por isso, não desprezamos as interpretações dos santos pais gregos e latinos, nem rejeitamos as suas discussões e os seus tratados sobre assuntos sagrados, sempre que concordem com as Escrituras; mas respeitosamente divergimos deles, quando neles encontramos coisas estranhas às Escrituras ou contrárias a elas. E não julgamos fazer-lhes qualquer injustiça nesta questão, visto que todos eles, unanimemente, não procuram igualar seus escritos com as Escrituras Canônicas, mas nos mandam verificar onde eles concordam com elas ou delas discordam, aceitando o que está de acordo com elas e rejeitando o que está em desacordo.


Não há o que discordar aqui. A grande questão é que se, por um lado, é um erro crasso fazer uso de qualquer linguagem que sugira que os credos e as confissões estão no mesmo pé de igualdade das Sagradas Escrituras, é igualmente errado fazer uso de um discurso que coloque os escritos e as opiniões particulares de teólogos da história da igreja no mesmo nível de autoridade dos credos e confissões. Sobre isso, Michael Horton observa que a ordem apropriada a ser observada é a seguinte:

(1) as Escrituras como o cânon infalível, qualitativamente distintas de todas as outras fontes e autoridades; (2) abaixo dessa norma magisterial, vem o serviço ministerial de credos e confissões; (3) proclamação contemporânea da Palavra de Deus na igreja ao redor do mundo; (4) as interpretações de longa data na tradição; (5) as nuances particulares de teólogos individuais.[1] 


Os credos e as confissões ocupam uma posição superior de autoridade em relação às opiniões particulares dos pais e de quaisquer outros teólogos. É necessário observar também, como observado por Horton, que fazer teologia não é obra de teólogos solitários. Antes, é uma tarefa formal e oficial da igreja: “Na história da igreja, algumas formulações dogmáticas foram elevadas ao nível de dogmas (a saber, a Trindade, as duas naturezas de Cristo em uma pessoa, etc.), mas elas nunca são a obra de um único teólogo. Elas são o fruto cumulativo da reflexão comunal e ganham o consentimento do Corpo de Cristo”. [2] Assim, uma confessionalidade madura se expressará também em não rebaixar o fruto do labor teológico de concílios ao nível de escritos particulares de teólogos, independentemente de quão doutos e piedosos eles sejam. As Institutas de Calvino não possuem para nós a mesma autoridade da Confissão de Fé de Westminster. É uma obra valiosa e importante para nós? Sem sombra de dúvidas! Mas não são as Institutas os nossos padrões doutrinários. São os Padrões de Westminster.



Em terceiro lugar, é verdade que a confessionalidade madura entende que, por não ser Escritura, uma confissão pode ser refinada, revisada e modificada. Não obstante, quem pode fazer isso? Qual o processo para que uma revisão de um documento credal seja feita? Uma confessionalidade madura também compreenderá que indivíduos não possuem essa autoridade. Teólogos confessionais maduros também terão o devido cuidado para que os credos e as confissões sejam honrados em seu meio. Eles não falarão de modo a depreciar ou rebaixar tais documentos.


Não compete a mim, enquanto membro ou ministro, reformar a Confissão conforme eu bem entendo. O ato de adoção de uma confissão de fé é prerrogativa da igreja, da denominação. Trata-se de um ato formal que tem lugar num ambiente conciliar. Assim sendo, a autoridade para reformar uma confissão de fé não está posta sobre os ombros de indivíduos, mas sobre a igreja e seus concílios. Como o ato de adoção, o ato de revisão e consequente reforma pertence à igreja. Em sua excelente obra O Imperativo Confessional, Carl Trueman faz o seguinte questionamento: “Como se deve proceder à revisão ou complementação das confissões de uma igreja?” Eis a sua resposta: “Sem dúvida, não é algo que apenas um indivíduo deve fazer: o refrão deste livro é que os credos e as confissões são documentos eclesiásticos, propriedade de toda uma igreja, não do crente isolado”.[3] 


Em relação aos dois pontos anteriores, Carl Trueman também destaca que as confissões, como documentos eclesiásticos, possuem importância corporativa, que não é compartilhada por outros escritos, como, novamente, as Institutas de Calvino, por exemplo: Debates sobre como traduzir passagens de Calvino, ou se ele está certo ou errado em um ponto podem ser interessantes, mas têm pouca ou nenhuma importância eclesiástica. No entanto, as confissões são diferentes: elas são documentos aos quais a igreja está vinculada por cânones processuais, votos de ordenação etc. A diferença é importante quando se trata da revisão confessional. Qualquer revisão deve ser feita pela igreja, de modo específico pelos encarregados de garantir a firmeza de sua instrução, ou seja, os presbíteros.[4]


Oro para que nossa confessionalidade seja, de fato, madura, piedosa, amorosa, mas também submissa e coerente, de maneira que também lutemos para que nossos Símbolos de Fé sejam mais conhecidos, estudados, amados e honrados exatamente por aquilo que são: a expressão fiel da sagrada doutrina da Palavra inspirada, inerrante, infalível. Que lutemos para que eles não sejam desonrados ou tenham a sua autoridade esvaziada.

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NOTAS:
[1] Michael D. Horton. The Christian Faith: A Systematic Theology for Pilgrims on the Way. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2011. p. 218.
[2] Ibid. p. 213-214.
[3] Carl D. Trueman. O Imperativo Confessional. Brasília, DF: Monergismo, 2012. p. 255.
[4] Ibid. p. 256.

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Esse artigo foi republicado com a permissão de Blog Bereianos

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