Talvez o tema mais debatido e promovido hoje em dia é o tema da liberdade e diversidade. Um resumo simplório poderia ser “não importa o quão diferente, tenho o direito de ser quem sou”. É difícil contradizer uma lógica assim, não? Na verdade, essa afirmação se apoia em um castelo de cartas. Suas fundações não são firmes. Não temos espaço aqui para discutir o que significa “ser quem eu sou”. Cada vez mais a questão da identidade é relegada ao âmbito individual. Enquanto há não muito tempo o grupo de referência determinava a sua identidade, hoje é algo absolutamente no domínio do indivíduo. Dessa forma, se alguém nasce com todo o aparelho biológico masculino, ele pode identificar-se como uma mulher, contrariando o gênero que lhe “foi atribuído” ao nascer. Essa perspectiva tem gerado inúmeros conflitos e distúrbios na sociedade e em indivíduos.
Ao mesmo tempo, não podemos negar o fato de que a sociedade tem sido extremamente cruel em determinar identidades individuais. Esse modelo dava (e ainda dá) espaço para muitas distorções e abusos. Por exemplo, em uma sociedade escravocrata, sua origem, cor de pele ou o resultado de guerras permitiam que a você fosse atribuída uma identidade inferior. Se nem o indivíduo nem a sociedade podem atribuir identidades, qual a solução? A Bíblia afirma que justamente no Éden o primeiro casal humano abriu mão da solução. Até ali Deus determinava o que era bom, por isso a proibição de que o homem tomasse para si o papel de determinar o bem e o mal. No momento que nossos primeiros pais tomam do fruto da árvore do bem e do mal, eles rejeitam o padrão de Deus e assumem que, a partir dali, nós – os humanos – vamos determinar o bem e o mal.
Na série de artigos sobre formação espiritual, temos usado a seguinte definição para orientar nossa discussão: “Formação espiritual é o processo de ser formado à imagem de Cristo, em favor dos outros”. [1]
Para Jesus o eixo ético é viver em favor dos outros.
Já vimos a questão de que a formação espiritual é um processo e não o resultado de experiências instantâneas. Também já vimos que somos formados e isso é fruto da ação de Deus em nossas vidas, não o resultado de nossos próprios esforços; nossos esforços são sempre uma reação ao mover de Deus em nossas vidas. E também já vimos que o alvo da nossa transformação é a imagem de Cristo, o que determina que tenhamos uma descrição muito clara do alvo de nosso crescimento espiritual. Hoje queremos explorar o tema de que a nossa transformação visa o bem dos outros e não nossa realização pessoal.
Como vimos acima, a presente cultura ocidental enfatiza o direito do indivíduo determinar sua identidade (quem ele é), seus princípios (o que é verdade) e seu padrão moral (como deve viver sua vida). Essa postura, caso levada aos seus extremos, resultará na destruição da própria sociedade. Uma ética voltada para si mesmo é a própria base do egoísmo. A partir dessa ética, o aborto é plenamente aceito, pois a vinda ao mundo de uma criança pode atrapalhar/desestruturar meus planos, meus sonhos. Como registramos acima, ter a sociedade como padrão máximo também não responde nossos anseios. Sociedades assim serão totalitárias e o indivíduo será coagido a fazer o que for melhor para a coletividade. Toda experiência histórica assim resultou em dinâmicas de abuso por parte de um grupo que ascende ao poder.
Jesus propõe um eixo ético totalmente diferente. Para Jesus o eixo ético é viver em favor dos outros. Em Mateus 22.36-39, lemos:
“Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?” Respondeu Jesus: “‘Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento’. Este é o primeiro e maior mandamento. E o segundo é semelhante a ele: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’”.
O primeiro e primário “outro” é o próprio Deus. Na verdade, essa não é sequer uma opção. Quando alguém opta por não viver para Deus, ela está optando contra sua própria vida. Em 1João 5.12, lemos: “Quem tem o Filho, tem a vida; quem não tem o Filho de Deus, não tem a vida”. Deus é a própria razão da existência. Fora dele não há existência. Portanto, todo aquele que decide viver como se Deus não existisse está negando a realidade e condenando-se à morte eterna.
Meu crescimento espiritual é em favor daqueles que estão ao meu redor.
O próximo “outro” são os seres humanos com os quais temos contato. Não importa primariamente se eles são cristãos ou não. Meu crescimento espiritual é em favor daqueles que estão ao meu redor. Isso é verdade, pois, a cada passo em que manifesto a pessoa de Cristo em meu viver, estou manifestando a própria vida àqueles ao meu redor. Em um sentido mais restrito, minha transformação alivia o sofrimento humano, torna a vida daqueles ao meu redor mais agradável e traz alívio. Em um sentido eterno, ao manifestar a pessoa de Jesus estou apontando não apenas ao Salvador, mas dando ao outro mais um indício do caminho para Deus.
Minha oração é que você e eu sejamos transformados pelo Espírito Santo de Deus na imagem de Cristo, desta maneira estaremos alinhando nossa vida com o próprio Deus Pai e estaremos abençoando aqueles ao nosso redor.
Nota
- M. Robert Mulholland, Invitation to a Journey: A Road Map for Spiritual Formation (Downers Grove, IL: IVP Books, 1993), p. 15.
Daniel Lima foi pastor de igreja local por mais de 25 anos. Formado em psicologia, mestre em educação cristã e doutor em formação de líderes no Fuller Theological Seminary, EUA. Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida por 5 anos, é autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem 4 filhos, uma neta e vive no Rio Grande do Sul desde 1995.