No dia 5 de julho de 2016, o conhecido YouTuber Felipe Neto publicou um vídeo em seu canal (aqui) com o debate que ele teve com o deputado federal e pastor Marco Feliciano, onde conversaram sobre diversos temas, principalmente sobre assuntos ligados a questão LGBT. Milhões de pessoas assistiram ao vídeo, o que repercutiu e ainda está repercutindo nas mídias sociais.
Após discutirem sobre o contexto de Romanos 1:24 em diante, onde o apóstolo Paulo fala sobre questões de homossexualismo feminino e masculino, em certo ponto Felipe começa a defender que na Bíblia não há um termo que trate do homossexualismo diretamente como pecado, citando a palavra Malakoi. Felipe disse que a palavra é de origem hebraica e não significa exatamente “afeminado” ou “homossexual”, mas “devasso” ou “bêbado”. E não pára por aí, Felipe ainda diz que essa tradução é “uma citação que claramente é repudiada por historiadores”. Questionado por Marco Feliciano sobre o que significava a palavra Sodomita, Felipe também disse que era a mesma coisa, no mesmo sentido. Isso também repercutiu entre cristãos que entendem um pouco mais de termos bíblicos, mas por que repercutiu?
Em primeiro lugar, porque a palavra Malakoi não é originária da língua hebraica, como afirmou Felipe Neto, ela é de origem grega, língua em que o Novo Testamento foi escrito. Essa palavra aparece em 1ª Coríntios 6:10 (na tradução Almeida) ou em 1ª Coríntios 6:9 (na tradução NVI).
Em segundo lugar, Felipe Neto erra ao traduzir a palavra (que não é hebraica e sim grega) Malakoi como “devasso”, “mulherengo” ou “bêbado”, pois de acordo com o Dicionário Bíblico Strong (Léxico Hebraico, Aramaico e Grego), Malakoi ou Malakos, do grego μαλακος, significa “2a) afeminado” e dentro desse termo existem os sub-termos como: 2a1) “de um catamito”, 2a2) “de um rapaz que mantém relações homossexuais com um homem”, 2a3) “de um homem que submete o seu corpo a lascívia não natural”, 2a4) “de um homem que se prostitui.” [1]
Ou seja, o contexto que o apóstolo Paulo falava em Coríntios era de pecadores que não herdariam o Reino de Deus, pois haviam se entregado completamente ao pecado, não se arrependendo do que faziam e não só os homossexuais. Porém, no mesmo texto, Paulo também fala de Sodomitas, um tipo de pecador que está incluso nesta categoria, ao qual o Felipe Neto disse que não era homossexual e sim “devasso”. Mas não é. A palavra usada para sodomita é “Arsenokoitai” ou “Arsenokoites” do grego αρσενοκοιτης, que também de acordo com o Dicionário Bíblico Strong é “alguém que se deita com homem e com mulher, sodomita, homossexual”. [2]
Simplificando, nos termos bíblicos:
Afeminado – Malakoi ou Malakos, significa: homossexuais passivos, equivalente a homens e meninos que se permitem serem usados sexualmente, conotando também passividade e submissão.
Sodomita – Arsenokoitai” ou “Arsenokoites, significa: homossexuais ativos, homens que iniciam práticas homossexuais. São chamados de sodomitas numa referência ao comportamento homossexual generalizado de Sodoma e Gomorra (Gênesis 19:6). [3]
A tradução mais correta de 1ª Coríntios é a da Nova Versão Internacional (NVI):
Não se deixem enganar: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem homossexuais passivos ou ativos, nem ladrões, nem avarentos, nem alcoólatras, nem caluniadores, nem trapaceiros herdarão o Reino de Deus. 1 Coríntios 6:9-10
Odayr Olivetti, um dos tradutores da NVI, explica que
…a comissão procurou fazer uma tradução clara, distinguindo bem os termos, e se respaldou não só na abrangência geral dos termos gregos, mas também no contexto geral das epístolas paulinas. As expressões “passivos” e “ativos” salientam a abrangência dos que agem como homens e dos que agem como mulheres no intercurso sexual não-natural. [4]
O problema em procurar fontes de conhecimento duvidosas
Toda a confusão de entendimento de Felipe Neto pode (não sabemos) ter origem em algumas falácias disseminadas por ativismos ou de fontes de conhecimento duvidosas. Por exemplo, a Revista Superinteressante trouxe uma matéria sob o título “Gay também é crente” a qual numa nota exegética sobre Ezequiel 16:49, atribuída à Marcos Gladstone, fundador da Igreja Cristã Contemporânea em São Paulo, afirma:
…este trecho bíblico revela que a motivação de Deus para destruir Sodoma e Gomorra não foi condenar práticas homossexuais de seus habitantes, como popularmente o texto é interpretado? o episódio está relatado em Gênesis 19.
Infelizmente, Gladstone usa um texto separado de seu contexto, pois numa leitura honesta, logo a seguir no versículo 50, o profeta continua:
Eram altivas e cometeram práticas repugnantes diante de mim. Por isso eu me desfiz delas conforme você viu. Ezequiel 16:50
E sobre o trecho de 1ª Coríntios 6:9-10, Gladstone afirma que
…o texto original, em grego, é genérico, mencionando “depravados e pessoas de costumes infames”. Leituras mais tradicionais do trecho, porém, afirmam que o autor, o apóstolo Paulo, menciona práticas homossexuais. Contudo, o perdão é concedido no verso seguinte. [5]
Contrariando ao que Gladstone afirma, são as leituras tradicionais, de acordo com seu significado no contexto linguístico da época, é que nos informam o significado original de uma palavra para então definirmos seu valor para nossa interpretação moderna. Não é a forma que gostamos de interpretar que vai mudar o significado desta ou daquela palavra. É assim que especialistas estudam, principalmente os críticos textuais.
Conclusão
Infelizmente, parece que além do desconhecimento de causa sobre a questão, Felipe Neto, Marcos Gladstone, Superinteressante, movimentos LGBT’s, entre outros por aí… acham que a Palavra de Deus deve se adequar aos “parâmetros modernos” e “inclusivos” para que uma prática, considerada pecado, seja aceita como algo normal aos olhos de Deus e da sociedade cristã em geral.
E como o próprio Marco Feliciano disse no vídeo e concordamos, ninguém está julgando, pois o julgamento é de Deus. O que devemos, como cristãos, é entender o que nossa regra de fé diz, não o que outros tentam ditar, enfiando goela abaixo interpretações próprias daquilo que desejam. Raciocine!
Referências:
[1] Strong, 3120, pg 1496.
[2] Strong, 733, pg 1223.
[3] Comentário de 1 Coríntios, de Simon Kistemaker, p. 267
[4] E-mail de 27 de julho de 2005, de Odayr Olivetti para Editora Ultimato John Stott [link]
[5] Revista Superinteressante, edição 351, setembro de 2015, página 39
Imagem fonte: Reprodução Google
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